O Estado de S. Paulo, n. 46645, 03/07/2021. Economia, p. B2

Cenários para 2021

José Márcio Camargo


Apesar do elevado nível de incerteza, o primeiro trimestre de 2021 surpreendeu com crescimento de 1,2% em relação ao último trimestre de 2020 e de 1,0% em relação ao primeiro trimestre de 2020. A surpresa se estendeu ao comportamento dos investimentos, que cresceram 4,6% no trimestre. Além do bom desempenho do PIB, as contas do setor público mostraram superávit primário de R$ 24,2 bilhões e superávit nominal de R$ 29,9 bilhões.

Com estas surpresas, os investidores aumentaram suas previsões de crescimento da economia e reduziram as previsões da relação dívida/pib em 2021. Nossa previsão de crescimento do PIB em 2021 saiu de 4,3% para 5,8% e esperamos queda da relação dívida/pib de 89% para 81,8% no fim deste ano. Com este novo cenário, o risco fiscal diminuiu e o real entrou em trajetória de valorização. Nosso cenário indica uma taxa de câmbio de R$ 4,60/US$ 1,00 no final de 2021.

Será o primeiro trimestre um ponto fora da curva? Nossa avaliação é que não. Além de o crescimento no primeiro trimestre ter sido alavancado pelos investimentos, o sucesso do programa de concessões de infraestrutura no primeiro trimestre, quando foram concedidos 22 aeroportos, 1 ferrovia, 1 rodovia, 3 operações portuárias, o sistema de água e esgoto de Alagoas, a companhia de água e esgoto do Estado do Rio de Janeiro, a Cedae, foi privatizada, todos os leilões muito concorridos, sendo arrecadados mais de R$ 50 bilhões em outorgas, são sinais de que o País pode estar entrando em uma trajetória de crescimento sustentável nos próximos anos, caso persista na implementação das reformas.

Ou seja, as reformas implementadas nos últimos anos começam a dar resultados positivos. Estas reformas têm dois objetivos: reduzir a taxa de crescimento dos gastos públicos obrigatórios (teto dos gastos, regulamentação dos gatilhos, congelamento de salário do funcionalismo, inclusão de Estados e municípios no regime fiscal, etc.), o que reduz o risco fiscal, e tornar os mercados mais eficientes, gerando ganhos de produtividade (trabalhista, terceirização, fim da TJLP, reformas no mercado de capitais e de crédito, marcos regulatórios do saneamento, autonomia do Banco Central, entre outros).

Ao contrário do crescimento, a inflação surpreendeu negativamente. A expectativa de que a aceleração inflacionária do fim de 2020 era temporária não se materializou. Tornando-se mais persistente do que o esperado, o que afetou as expectativas para a inflação para 2022 e forçou o Banco Central a antecipar o processo de normalização da política monetária, com elevação da taxa Selic com maior intensidade do que o esperado.

Este processo de normalização deverá continuar até atingir o nível neutro, o que na nossa estimativa é Selic a 6,5% ao ano. A velocidade do ajuste vai depender do comportamento das expectativas para a inflação para 2022. Caso as expectativas não revertam a trajetória de deterioração, com a média acima da mediana e acima da meta, o Copom deverá aumentar a Selic em 1,0 p.p. na próxima reunião em agosto. Caso contrário, ou seja, caso a média caia abaixo da mediana e esta mostre tendência para a meta, o ajuste será de 0,75 p.p.

Nos Estados Unidos, a taxa de inflação também tem vindo acima do esperado. O índice de preços de gastos com consumo (PCE) atingiu 3,9% em 12 meses e o núcleo do índice, 3,4%, ante uma meta de 2,0%. No comunicado da reunião do Comitê de Política Monetária do Fed, a maioria dos diretores indicou que o processo de normalização da política monetária, com aumento dos juros, deverá ser antecipado para o final de 2023.

Diante do elevado nível de estímulo fiscal, os sinais de que as pressões inflacionárias começam a se tornar permanentes preocupam. Uma antecipação da normalização monetária nos Estados Unidos levaria a um aumento da taxa neutra de juros no Brasil, exigindo uma política monetária mais dura.

Professor Titular do Departamento de Economia da PUC/RIO (Aposentado) e Economista-Chefe da Genial Investimentos