O Estado de S. Paulo, n.
46645, 03/07/2021. Economia, p. B4
Desconfianças com a
reforma
Adriana Fernandes
O Palácio do Planalto não está tão preocupado se as recentes denúncias de
corrupção vão atrapalhar o andamento das reformas no Congresso. O raciocínio é
de outro tipo: como os projetos que lá estão podem ajudar a arregimentar apoio
ao presidente Jair Bolsonaro neste momento em que forças políticas se unem pelo
impeachment, na antessala das eleições de 2022. Uma semana depois do depoimento
dos irmãos Miranda à CPI da Covid, a temperatura só
subiu com o pedido da Procuradoria-geral da República ao Supremo para abertura
de inquérito contra o presidente por suposta prevaricação no caso da negociação
da vacina indiana Covaxin.
Esse tipo de estratégia
de vender dificuldades sempre funcionou muito bem no Congresso em momentos de
céu de brigadeiro. Em tempos turbulentos como agora, é um instrumento ainda
mais poderoso.
E tem método, como se
viu na votação da MP de privatização da Eletrobrás, aprovada com uma árvore de
jabutis e com prejuízo para o contribuinte. Parlamentar que estava gritando
contra o presidente Bolsonaro em defesa da CPI, após conseguir o que quis na
votação da MP, está agora em silêncio.
A pressa sinalizada pelo
presidente da Câmara, Arthur Lira, na votação do projeto de Imposto de Renda
deixou todo mundo de cabelo em pé. As desconfianças aumentaram com o texto.
Pelas redes sociais, Lira previu a votação nos próximos 15 dias (antes do
recesso parlamentar de julho).
Como não é Proposta de
Emenda Constitucional (PEC), a votação é mais rápida, com quórum de maioria
simples. Se o Centrão quiser, põe em votação
rapidamente à sombra dos holofotes que estão voltados para a CPI, no outro lado
do prédio do Congresso.
Blefe ou não, a fala de
Lira, confirmando o que se falava nos bastidores – e que a coluna já tinha
adiantado na quinta-feira passada –, estressou quem achava que o assunto só
seria discutido no segundo semestre.
O próprio presidente da
Câmara sinalizou que a Casa vai “arrumar” o projeto e que a palavra agora está
com o Congresso, após comentar a declaração do ministro Paulo Guedes de que
pode cortar 10 pontos porcentuais da alíquota do IR das empresas. Lira disse:
“Está com o Congresso. As críticas de atirar pedra não vão convencer ninguém”.
Os relatórios serão apresentados primeiro na reunião de líderes para “correrem”
depois pelas bancadas.
Os que não gostaram do
projeto do IR foram para o ataque, com a justificativa de aumento da carga, mas
já não duvidam de que poderá ser aprovado rapidamente. A pressão maior é para
evitar o fim da possibilidade de as empresas deduzirem o JCP, uma forma de as empresas
remunerarem investidores que pode ser abatida como despesa, o que faz com que
paguem menos IR.
O JCP não acaba, na
prática, mas sim a possibilidade de dedução. É mais provável que os
descontentes ganhem essa parada. Já na taxação de lucros e dividendos, será
mais difícil voltar atrás. Sem ela, a conta para bancar o aumento da faixa de
isenção do IR das pessoas físicas não fecha.
A negociação é para
reduzir a alíquota de 20% para 15%.
Difícil será fazer todos
esses ajustes e ainda garantir uma queda maior do Imposto de Renda da Pessoa
Jurídica, como acenou o ministro Paulo Guedes. A queda da alíquota do IRPJ
prevista no projeto é de cinco pontos porcentuais em dois anos. O ministro
prometeu fazer tudo em 2021 e, depois, dobrou a aposta, dizendo que a redução
poderá ser de 10 pp com base no aumento da arrecadação que vem forte, mas não
se sabe com certeza se sustentará nos próximos anos.
Guedes não disse como e
nem em qual velocidade. Ninguém acreditou muito nesse plano audacioso e pesa o
fato que uma promessa vai além de 2022, quando termina o mandato do governo
Bolsonaro, e não tem como ser garantida agora. O certo vira incerto.
A matemática desse
ajuste do IR pode até dar em zero para a carga tributária. O que não dá é para
desonerar ao mesmo tempo os trabalhadores, as empresas e os acionistas do andar
de cima. Tudo ao mesmo tempo. Um desses três grupos vai ter de necessariamente
pagar mais. O projeto tirou muita gente da zona de conforto. O presidente
Bolsonaro precisa do apoio do PIB e o Congresso pode cobrar uma fatura própria.
É Repórter Especial de
Economia em Brasília