Título: Katrina golpeia política externa
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Fonte: Jornal do Brasil, 06/09/2005, Internacional, p. A8

Desde 11 de setembro de 2001, a prioridade da política do presidente americano, George Bush, é a ''guerra ao terror''. Mas depois do furacão Katrina, a população quer mudança de foco e pressiona para que o governo se concentre em questões de economia interna, pelo menos temporariamente. Por exemplo, dando uma resposta doméstica à tragédia ao controlar o preço do combustível.

Segundo uma recente pesquisa Washington Post-ABC, os americanos estão divididos quanto à performance de Bush e de autoridades locais e estaduais do Golfo do México, depois da passagem do Katrina, na segunda-feira da semana passada. Pouco menos do que a metade (46%) aprova a maneira como o presidente conduziu a ajuda emergencial. Entretanto, há mais gente - 47% dos entrevistados - que desaprova. Este é um resultado que faz a Casa Branca lidar com uma reação negativa e que obriga Bush e a secretária de Estado, Condoleezza Rice, a lidarem com a ambiciosa e complexa agenda da política externa. De acordo com analistas, a presença no Iraque e a preocupação com o programa nuclear iraniano estão na mira.

Desde a semana passada, a Casa Branca enfrenta pesadas críticas de que a ajuda emergencial foi atrapalhada pela falta de homens, já que as tropas americanas estão comprometidas no Iraque e em outras bases pelo mundo. Foram enviados à Louisiana, Alabama e Mississippi reservistas da Guarda Nacional, mas aparentemente não serão suficientes para recuperar os corpos dos estimados 10 mil mortos. Devido a viagens ao chamado Big Easy (como é chamada a costa americana do Golfo), o presidente cancelou algumas reuniões com líderes mundiais.

Ao mesmo tempo, outra pesquisa, AP-Ipsos, mostrava que apenas 9% dos americanos acreditavam que o terrorismo - escolhido a grande questão do novo mandato presidencial - era a maior prioridade dos Estados Unidos. Em contraste, 24% diziam que energia e preço da gasolina eram as maiores preocupações, seguidos de 14% que apontavam a economia e desemprego.

''É um debate no coração da América: vale a pena gastar milhões de dólares em uma guerra ao Iraque quando o país não consegue proteger nem os seus cidadãos?'', questionou em editorial o jornal francês Le Monde. ''O Katrina vai marcar uma ruptura comparável ao 11 de Setembro''.

Bush e Rice tinham planejado uma agenda de política externa agressiva para o segundo semestre, começando com a cúpula de 170 líderes mundiais na ONU, este mês. Também na pauta estava o lançamento de uma iniciativa diplomática destinada a melhorar a imagem de Washington no mundo muçulmano, coroada com mais uma viagem de Rice ao Oriente Médio. Bush planejara receber o presidente da China, Hu Jintao, na Casa Branca na próxima semana, mas o encontro foi adiado. Enquanto isso, Rice tenta amenizar a preocupação quanto à nova agenda externa.

- Quando há algo no âmbito doméstico, nos concentramos em casa - disse a secretária de Estado. - Acho que os americanos são sofisticados o suficiente para entender que os EUA não vivem isolados - completou.

Por outro lado, Steven Kull, especialista em opinião pública e diretor do Center on Policy Attitudes, em Washington, não acredita que a devastação causada pelo Katrina vá enfraquecer a política de Bush. Pelo contrário.

- O furacão é um novo, poderoso, emocionante e galvanizante acontecimento. Pode até tornar longínqua a lembrança das torres gêmeas sendo atacadas - afirmou.

Segundo Kull, o povo pode estar culpando a presença militar no Iraque pela falta de braço para o resgate. Mas não significa que os americanos vão pedir a retirada dos EUA do Golfo Pérsico.