O Estado de S. Paulo,
n. 46646, 04/07/2021. Política, p. A4
Centrão e militares estão no foco das suspeitas na
Saúde
Vinícius Valfré
As suspeitas de corrupção na compra de vacinas contra a covid-19 envolveram,
até agora, militares do Exército e apadrinhados do Centrão,
duas sólidas bases de sustentação do governo de Jair Bolsonaro. O organograma
dos fatos sob investigação evidencia uma aliança pragmática entre os dois
setores pelo controle das verbas do Ministério da Saúde, o maior orçamento
entre as 22 pastas. De uma ponta a outra, as tratativas para a importação de
imunizantes passaram pelas mãos de nomes indicados pelo grupo do Congresso ao
qual Bolsonaro se aproximou para barrar ameaças de impeachment.
Os indicados políticos
foram mantidos ou apoiados por militares que assumiram o ministério no ano
passado e, durante a pandemia, controlaram cifras bilionárias. A dobradinha
entre Centrão e Exército se concentrou no
Departamento de Logística da pasta, onde estão as principais suspeitas de
irregularidades e um histórico de loteamento e denúncias de fraudes. Ao menos
desde o governo de Michel Temer, o setor é controlado pelo Progressistas, do
senador Ciro Nogueira (PI) e do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros
(PR).
Os três diretores que
passaram pelo posto acumulam denúncias de corrupção e mau emprego de dinheiro
público. Dois deles foram reabsorvidos pelo governo Bolsonaro. Davidson
Tolentino é diretor da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco
e do Parnaíba (Codevasf), a estatal do Centrão, desde julho. Em maio de 2020, Tiago Queiroz virou
secretário de Mobilidade do Ministério do Desenvolvimento Regional, um dos principais
cargos da pasta de Rogério Marinho.
Apesar da narrativa de
Jair Bolsonaro de acabar com o loteamento em cargos técnicos, a tradição foi
mantida na Saúde. O nome do agora ex-diretor de logística, Roberto Dias, foi
indicado pelo Centrão ao ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM). Oficialmente, a sugestão foi do exdeputado Abelardo Lupion
(DEM-PR), mas Dias saiu diretamente do governo do Paraná, de Cida Borghetti,
mulher de Ricardo Barros, para a cadeira de diretor do Ministério da Saúde.
Com o protagonismo de Mandetta como condutor do combate à pandemia e defensor de
posições científicas, Bolsonaro tirou o ministro do cargo. Nada disso abalou a
permanência de Dias, homem do Centrão,
no posto. Os titulares seguintes da pasta – Nelson Teich,
Eduardo Pazuello e o atual Marcelo Queiroga –
mantiveram o diretor.
De 2019 para cá, Dias
autorizou mais de R$ 20 bilhões em pagamentos. Ele só caiu na última
terça-feira, após um policial militar de Minas Gerais dizer que ouviu pedido de
propina do então diretor. Integrantes da CPI suspeitam que a denúncia pode ter
sido “plantada” pelo governo para atrapalhar a linha principal de investigação.