O Globo, n. 32754, 11/04/2023. Política, p. 4

Resultados exigidos

Alice Cravo


Em reunião que marcou os cem primeiros dias de seu terceiro mandato, ontem no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva expôs o incômodo diante de promessas de campanha não cumpridas e cobrou que os ministros apresentem resultados. Embora tenha destacado avanços e lembrado dificuldades enfrentadas logo no início da gestão, como os ataques antidemocráticos de 8 de janeiro, o petista enfatizou pendências que vão da área econômica à saúde.

Ao mesmo tempo que ressaltou o retorno de projetos de outros mandatos petistas, sobretudo no campo social — o slogan “O Brasil voltou” foi citado dezenas de vezes —, Lula se mostrou frustrado por não ter emplacado uma marca de seu novo governo. O chefe do Planalto também reproduziu a tática da “herança maldita”, ao pontuar que recebeu uma terra arrasada do ex-presidente Jair Bolsonaro, a quem evitou citar nominalmente.

Diante de seus 37 ministros, da primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, e de assessores, Lula fez uma espécie de desagravo ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para logo depois cobrá-lo sobre a execução do Desenrola, programa voltado para renegociação de dívidas, que funcionará como uma plataforma única para centralizar as demandas de pessoas endividadas e intermediar o contato com as empresas.

—Vamos desenrolar. Pelo amor de Deus —disse o presidente, a respeito da medida que foi um aceno direto à classe média na época da eleição.

— Lembro que eu dizia que, se a gente não fizer, dá impressão que estamos enrolando o povo. Haddad, queria que você e a sua equipe conversassem com a Casa Civil e preparassem o lançamento. Por mais dificuldade que a gente possa ter, precisa de um começo.

Em fevereiro, Lula chegou a afirmar que o programa estava pronto e que já poderia ser anunciado. A medida, no entanto, está travada, segundo Haddad, por conta de problemas operacionais.

Já ao ministro Carlos Lupi (Previdência Social), o presidente afirmou “não saber” o que está acontecendo na área, mas que o país precisa voltar a ter a realidade de outras gestões do PT. Durante a campanha, em diversos momentos Lula lembrou de como reduziu prazos de serviços prestados pela pasta.

— Queria dizer ao Lupi o seguinte: eu vejo na imprensa notícias sobre as filas da Previdência Social. Eu não sei o que está acontecendo, mas eu queria te dizer que um dia nós acabamos com a fila da Previdência Social. O trabalhador não precisava enfrentar espera para requerer a aposentadoria. Era a Previdência que mandava um documento para a pessoa. Significa que nós já fomos capazes de fazer isso. E significa que vamos voltar a fazer.

À ministra da Saúde, Nísia Trindade, Lula reivindicou que a rede pública de atendimento médico tenha mais especialistas:

— Nísia, eu sei que é difícil, mas eu sou favorável ao SUS fazer convênio com toda a rede médica de especialista do país. Eu, como presidente deveria mandar você fazer, mas como sei que é difícil, só vou pedir.

Em setembro passado, num comício em Belém, o petista defendeu inclusive a consulta com especialistas via telemedicina.

Após ter lidado de perto com pelo menos duas tragédias provocadas por chuvas desde que tomou posse, em São Paulo e no Maranhão, Lula afirmou que o governo vai tirar do papel obras de prevenção e desastres causados por cheias e deslizamentos. Ele pediu ao ministro Jader Filho (Cidades) que dê fim às palafitas.

Já em relação ao titular da pasta de Portos e Aeroportos, Márcio França, o petista afirmou que a construção de uma empresa de carga perto do aeroporto de Brasília poderia atrapalhar o acesso ao local, o maior hub do país. Lula determinou que França procure a empresa e a convide para “procurar outro trajeto”.

Tarefas em marcha lenta

Outras agendas apontadas por Lula como prioritárias também vêm andando em marcha lenta. No caso da retomada das demarcações de terras indígenas, ainda durante a transição, a equipe montada pelo petista listou 13 territórios que dependiam apenas de um decreto para finalizar o processo de proteção territorial, mas ele não foi publicado.

O governo também patina em relação às fake news, tema que prometeu combater quando fosse eleito. Além de não ter conseguido um acordo com o Congresso para andar com a tramitação do projeto que busca regulamentar o assunto, o próprio governo enfrenta discordâncias internas sobre pontos do texto. O PL das Fake News já foi aprovado pelo Senado e aguarda para ser votado na Câmara.

Na área da saúde, a retomada do Farmácia Popular ainda está parada. O governo chegou a liberar orçamento para o programa por meio da PEC da Transição (R$ 16,6 bilhões na área da saúde), mas até agora ele também não foi para a rua. O mesmo aconteceu com o novo salário mínimo, que embora tenha sido anunciado, será efetivado apenas em maio por uma questão orçamentária. A medida também teve verba liberada pela PEC: R$ 6,8 bilhões.

Junto com o reajuste do salário mínimo, Lula aumentará também a faixa de isenção para o pagamento do Imposto de Renda, passando dos atuais R$ 1.903,98 para R$ 2.112. A principal promessa para a área, elevar essa faixa de isenção para quem ganha até cinco salários, contudo, não deve sair do papel tão cedo. No início do ano, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmou que não via espaço para uma mudança na tabela do Imposto de Renda em 2023 sem afetar o Orçamento, uma vez que ampliar a faixa dependeria de algum tipo de compensação. Ao mesmo tempo, o governo prepara a proposta do novo arcabouço fiscal, que tem como princípio o aumento na arrecadação para que o governo atinja suas metas. Com a isenção, no entanto, o governo deixaria de arrecadar R$ 6 bilhões em 2024.