Correio Braziliense, n. 21530, 26/02/2022. Mundo, p. 4

ONU: Brasil condena ataque

Michelle Portela


Numa postura descolada daquela que vem adotando o presidente Jair Bolsonaro, o Brasil condenou a invasão da Rússia à Ucrânia, durante a reunião de ontem do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). A resolução de condenação recebeu 11 votos a favor e três abstenções. A moção, porém, não foi aprovada, pois o voto de qualidade da Rússia — que é membro permanente do colegiado, e também ocupa a atualmente sua presidência — foi suficiente para rejeitá-la.

 

A posição brasileira era muito aguardada, já que o Ministério das Relações Exteriores vem adotando uma postura alinhada com Bolsonaro — que, por ter estado há poucos dias com Putin, tem se esquivado de criticar o presidente russo. Porém, no voto lido pelo embaixador brasileiro na ONU, Ronaldo Costa Filho, o Brasil se colocou contra a invasão à Ucrânia e a guerra entre os dois países.

 

“A integridade territorial e a soberania [dos países] não são palavras vazias. É nosso dever dar significado concreto a elas. Precisamos criar condições de diálogo, buscar espaço para diálogo enquanto garantimos que a invasão no território soberano seja inaceitável”, condenou.

 

Costa Filho alertou que o mundo vive um momento “sem precedentes” e uma “violação à Carta da ONU”. Por isso, segundo o embaixador, o Brasil está “profundamente preocupado” com a operação militar russa e alertou: “uma linha foi cruzada”.

 

Ainda que não tenha usado palavras duras como os representantes dos Estados Unidos e do Reino Unido, para o representante brasileiro é importante retomar as negociações para pôr fim ao conflito. “Precismo buscar caminhos para a paz na Ucrânia, não recuar nas negociações diplomáticas. As vidas de milhões estão sob ameaça. No fim, a paz precisa prevalecer”, defendeu.

 

A resolução pedia que a Rússia “retirasse imediata, completa e incondicionalmente” as forças militares da Ucrânia e “revertesse” a decisão de reconhecer a independência das províncias de Donetsk e Luhansk, uma vez que “viola a integridade territorial”. Votaram pela condenação ao ataque russo Albânia, Brasil, EUA, França, Gabão, Gana, Irlanda, México, Noruega, Quênia e Reino Unido. China, Emirados Árabes Unidos e Índia se abstiveram e Rússia foi contra.

 

Pelo Twitter, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, agradeceu o voto brasileiro de condenação à Rússia

 

Pressão de Washington

 

Mais cedo, antes da votação no Conselho de Segurança, o ministro de Relações Exteriores, Carlos França, conversou por telefone com o secretário de estado norte-americano, Antony Blinken, em mais um movimento de pressão de Washington para que o Brasil uma postura mais dura contra Moscou. O chanceler brasileiro escutou que os EUA consideraram insuficiente a nota emitida pelo Itamaraty, na última quinta-feira, na qual afirmava que “o Brasil não pretende contribuir para rufar os tambores da guerra”.
 

Aviso para descer do muro
Luana patriolino


Incomodados com a falta de clareza do Brasil sobre o ataque à Ucrânia, embaixadores da União Europeia, de países das Américas e do Japão cobraram, ontem, uma “condenação veemente” do presidente Jair Bolsonaro. E alertaram: “ignorar a situação” pode gerar futuras ameaças a outras nações.

 

Douglas Koneff, encarregado de negócios da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, não usou de meias palavras para deixar claro que a omissão de Bolsonaro é prejudicial. “Não é tempo de ficar no muro. Todos os países devem condenar o ataque. A voz do Brasil importa. Temos confiança de que o Brasil vai fazer o correto”, cobrou.

 

A reunião entre os embaixadores precedeu um encontro deles com representantes do Ministério das Relações Exteriores (MRE). O representante da União Europeia, Ignacio Ybañez, avisou: o Brasil, por ser membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas, não pode se esconder na neutralidade. “Estamos passando uma mensagem muito clara ao governo brasileiro, que tem a responsabilidade grande por estar no Conselho de Segurança”, alertou.

 

“Esse não é só um problema europeu, é um problema internacional. Se ignorarmos, agora, uma agressão como essa, no futuro o mesmo pode ocorrer na Ásia ou na América Latina”, argumentou o embaixador japonês, Teiji Hayashi

 

Heiko Thoms, representante da Alemanha, foi enfático ao afirmar que Bolsonaro deve ser explícito. “Precisamos de uma condenação clara e unânime de todas as nações membros da ONU, incluindo o Brasil”, cobrou.

 

Sanções comerciais

 

Mas, nos bastidores do Itamaraty, a postura permanece sendo de condenar os ataques, mas sem fechar diálogo com Moscou. Isso porque o temor é que uma condenação veemente pode levar o presidente Vladimir Putin a mandar suspender acordos bilaterais e impor sanções às mercadorias brasileiras que fazem parte da pauta comercial entre os dois países.

 

Bolsonaro, porém, não deu qualquer indício de que vá abandonar a postura que adotou até agora. Sua única manifestação foi, na live da última quinta-feira, ao lado do chanceler Carlos França, uma crítica irritada com a opinião do vice-presidente Hamilton Mourão — que condenou a invasão, comparou Putin ao ditador nazista Adolf Hitler e que não basta impor sanções econômicas aos russos, mas que se deve agir militarmente contra eles.