Título: Sair de Nova Orleans agora é ordem
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Fonte: Jornal do Brasil, 08/09/2005, Internacional, p. A7

Com a inundação retrocedendo a cada instante em Nova Orleans, agora que as bombas de drenagem voltaram a funcionar, o prefeito Ray Nagin ordenou que as forças de segurança e o Exército americano retirem à força os estimados 10 mil habitantes remanescentes na cidade. Segundo Nagin, a medida é pela segurança dos moradores, pois a fétida água nas ruas pode espalhar sérias doenças e há risco de mais explosões e incêndio, devido à presença de gás natural. Mas até a noite, ninguém havia sido retirado de casa. Munidos de paciência, os policiais tentavam convencer as vítimas do furacão Katrina.

- Milhares de pessoas vão sair voluntariamente. Mas quando a boa vontade acabar, vamos nos concentrar na retirada obrigatória - afirmou o chefe da polícia, Eddie Compass.

Um dos moradores convencidos a deixar a área de risco foi Anthony Charbonnet, de 86 anos e aparência frágil. Quando os policiais chegaram, ele trancou a porta da frente da casa onde vivia desde 1955.

- Nunca saí daqui durante toda a minha vida. Não quero sair - dizia, balançando a cabeça negativamente.

Charbonnet só concordou em participar da retirada quando um vizinho lhe garantiu:

- As coisas ficarão bem. Será como férias.

Ainda protestando, o idoso caminhou até a ambulância na qual soldados o levaram para o helicóptero.

Dolores Devron e seu marido, Forcell, seguiram a ordem de Nagin, levando rádio portátil e até o cachorro. Mas estavam furiosos:

- Há bebês mortos amarrados em postes enquanto estão nos arrastando daqui. Vocês estão deixando os bebês para trás. Isso não é certo - gritava Dolores, ao subir no caminhão do Exército.

Picola Brown, de 47 anos, descia vagarosamente a rua, em encontro aos soldados. Ela explicou que não havia obedecido à ordem de evacuação antes porque está com o dedo do pé quebrado.

- O prefeito disse que todos temos que ir embora, e eu vou. Só não quero estes homens batendo à minha porta - disse.

- Para onde você quer ir? - perguntou um recruta.

- Para onde for mais confortável - respondeu Picola.

Martha Smith-Aguillard denunciou que foi levada contra a vontade para um ponto de evacuação, perto do abandonado Centro de Convenções. Durante todo o tempo, ela dizia que estava com um corte no pé e que precisava de uma injeção de antitetânica. Mesmo assim, recusou-se a embarcar no helicóptero do governo.

- Nunca estive em um avião na minha vida. Tenho 72 anos e não vou começar com isso agora - dizia. - Acho que vou ter que morrer, então. Todos vamos morrer e se é chegada a hora da minha partida, que seja aqui em Nova Orleans.

Já a sobrevivente Patricia Kelly resolveu permanecer sentada na frente de uma barbearia abandonada, devastada pela inundação na Ninth Ward. Sua casa está cheia de água e para lá ela não pode voltar. Mas também não quer abandonar a vizinhança:

- Vou ficar enquanto Deus permitir. Se a polícia vier com um mandado judicial, então eu saio. Espero que não chegue ao ponto de ser obrigada.

Em pé em uma esquina, o sargento Joseph Boarman contou que entende a relutância dos moradores em abandonar suas casas:

- Sabemos que é muito difícil deixar o lar, não importa em que condição ele esteja.

E à medida que o tempo passa, a enormidade do desastre fica mais visível. A deputada de Louisiana Nita Hutter revelou ontem que 30 pessoas morreram em um asilo inundado em Chalmette, nos arredores da cidade. Segundo a política, os empregados deixaram os residentes mais idosos nas camas. Outras 100 pessoas morreram em uma plataforma de um depósito, enquanto esperavam um barco de resgate, contou o deputado Charlie Melancon, cujo distrito congressional inclui Chalmette.

Além da devastação causada pelo Katrina, os americanos estão furiosos também com a resposta do governo do presidente George Bush à crise humanitária. Segundo uma pesquisa Gallup/CNN/USA Today divulgada ontem, 42% da população reprovam a gestão de Bush, enquanto 35% apóiam. Duas pessoas em cada 10 (21%) não consideram a gestão de crise nem boa nem ruim.

Interrogados sobre quem é o principal responsável pelos problemas oriundos do furacão em Louisiana, 38% responderam que ''ninguém é culpado''. Outros 25% dos entrevistas acham que a culpa foi das autoridades locais, e 18% acreditam que foram os organismos federais. Bush aparece em terceiro lugar, sendo apontado como culpado por 13% das pessoas.

Outro dado relevante é que 65% não acredita que Nova Orleans vá se recuperar da tragédia.