O Estado de S. Paulo, n. 46650, 08/07/2021. Política, p. A12
Empresas prosperam na atual gestão
Fernanda Guimarães
Victor Faria
Desconhecidas no mercado farmacêutico até poucas semanas atrás, as empresas Precisa Medicamentos e Belcher Farmacêutica têm em comum mais do que suspeitas de irregularidades nas negociações de vacinas com o governo federal. Alvos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado, ambas têm ligações com o deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR), líder do governo na Câmara, e fecharam contratos na gestão de Jair Bolsonaro em processos sem licitação.
Como revelou o Estadão, os valores dos negócios da Precisa com o governo aumentaram 6.000% após a posse de Bolsonaro. No caso da Belcher, que negociou a vacina chinesa Convidecia com o Ministério da Saúde, mas não fechou acordo, foram 12 contratos a partir de 2020. Antes disso, a farmacêutica nunca havia sido contratada pela administração federal.
Com sede em Maringá, reduto eleitoral de Barros, a Belcher virou alvo da CPI após tentar vender vacinas a um preço mais alto que o de todos os outros imunizantes já comprados até agora pelo governo federal. No caso da vacina Convidecia, a dose foi oferecida a US$ 17, valor acima do imunizante indiano Covaxin, o mais caro até agora oferecido ao Ministério da Saúde (US$15).
No caso da Covaxin, cuja compra foi intermediada pela Precisa, a negociação foi suspensa dias depois de se tornar alvo de investigações, após um servidor da pasta apontar suspeitas de corrupção no processo de contratação.
Por trás da Belcher está Daniel Moleirinho Feio Ribeiro, sócio da empresa, filho de Francisco Feio Ribeiro, um ex-secretário de Ricardo Barros na época em que ele era prefeito de Maringá. Outra ligação é o advogado Flávio Pansieri, que defende o parlamentar em ações na Justiça e, ao mesmo tempo, se apresentou como representante da Belcher na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em nota, a empresa negou qualquer “interferência ou relação do deputado, de qualquer outro parlamentar, autoridade ou terceiro” nos negócios. O advogado não foi localizado.
Questionado, Barros admite que conhece os donos da Belcher e afirma que faz parte de sua posição no governo ter relações com empresas desse setor. “Na condição de ex-ministro da Saúde e coordenador da Frente Parlamentar da Indústria Pública de Medicamentos sou procurado por muitos parceiros do SUS e coopero naquilo que está ao meu alcance em todos os temas da Saúde. Em relação à pandemia da covid o objetivo maior é que todos os brasileiros possam ser imunizados e tratados o quanto antes. É minha obrigação como parlamentar”, afirmou. Ele também diz não ver qualquer impedimento de seu advogado atuar como representante da empresa.
Mais caro
US$ 17
é o valor da dose da vacina Convidecia, da Belcher Farmacêutica – mais alto que o de todos os outros imunizantes adquiridos pelo Ministério da Saúde
Quem é Quem
• Saiba quem são os principais personagens das suspeitas de irregularidades envolvendo venda de vacinas no Ministério da Saúde
Covaxin/Precisa Medicamentos
A compra da vacina indiana é investigada pelo MPF, PF e órgãos de controle por suspeitas de irregularidades. O governo fechou contrato para receber 20 milhões de doses por R$ 1,6 bilhão – US$ 15 por dose, o mais alto dentre os demais imunizantes comprados até agora
Bolsonaro
Segundo Luis Miranda, ao ouvir as suspeitas de favorecimento à Precisa, o presidente prometeu acionar a PF, em março. Não o fez. O STF autorizou a abertura de inquérito para apurar se ele prevaricou
Marcelo Pires
Coronel da reserva, foi diretor do ministério, um cargo ligado à secretaria-executiva. Também foi citado por pressão pela Covaxin
Ministério da Saúde
Eduardo Pazuello
Ministro da Saúde durante as negociações para a compra da Covaxin, disse à Procuradoria-Geral da República ter sido avisado por Bolsonaro das denúncias
Congresso
Flávio Bolsonaro
Filho do presidente Jair Bolsonaro, o senador intermediou uma reunião de Francisco Maximiano no BNDES. Admitiu ter "amigos em comum" com o empresário alvo da CPI
Empresário
Francisco Maximiano
Dono da Precisa Medicamentos, intermediária do laboratório indiano Bharat Biotech. É réu com Ricardo Barros em processo de compra de medicamentos pelo ministério. 0 MPF diz que o então ministro trabalhou para favorecer outra empresa de Max, a Global, em 2017
Arnaldo de Medeiros
Secretário de Vigilância em Saúde, fez a primeira reunião com representantes da Precisa para tratar da Covaxin, em novembro
Elcio Franco
Coronel da reserva, foi secretário-executivo na gestão de Pazuello. É citado como quem também pressionou para liberar a Covaxin
Wellington Roberto
Deputado do PL, partido do Centrão comandado por Valdemar da Costa Neto indicou Medeiros ao cargo
Roberto Ferreira Dias
Ex-diretor de Logística do ministério. Tem fortes ligações com políticos o Centrão. Segundo os irmãos Miranda, pressionou pela importação da Precisa
Ricardo Barros
Líder do governo na Câmara. Segundo os irmãos Miranda, ao relatarem a Bolsonaro o que constataram no ministério, o presidente atribuiu o suposto esquema a ele
Alex Liai Marinho
Tenente-coronel., foi coordenador-geral. de insumos e também é citado por Ricardo Miranda como um superior que o pressionou para liberar a importação da vacina
Luis Ricardo Fernandes Miranda
Servidor de carreira do Ministério da Saúde. Diz ter sido pressionado por superiores para dar aval à importação de doses da Covaxin, mesmo com inconsistências no processo
Luis Miranda
Irmão do servidor, é um deputado bolsonarista do DEM do DR Levou as suspeitas de Ricardo ao presidente Bolsonaro em 20 de março. Na ocasião, segundo ele, Bolsonarou atribuiu o caso a "mais um rolo" de Ricardo Barros
Astrazeneca/Davati
A Davati Medical Supply afirma ser uma intermediária da Astrazeneca e tentou vender 400 milhões de doses do imunizante ao Brasil. O laboratório, por sua vez, nega que a empresa tenha autorização para vender sua vacina. O Ministério da Saúde admite ter aberto tratativas, mas o negócio não foi para frente
Luiz Paulo Dominghetti
Policial militar da ativa em Minas Gerais, acusou o então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, de pedir propina de US$ 1 por dose. Ele não apresentou provas
Marcelo Blanco da Costa
Coronel do Exército e ex-assessor da Saúde, foi citado por Dominguetti como responsável por marcar o jantar com Dias onde teria ocorrido o pedido de propina. Três dias antes do jantar, abriu uma empresa de representação comercial de medicamentos
Roberto Criscuoli
Também coronel da reserva do Exército, o integrante da ‘Abin paralela’ de Bolsonaro afirmou ao Estadão que fez a ponte entre a Davati e o governo
Cristiano Alberto Carvalho
Representante oficial da Davatti no Brasil, escalou Dominguetti para intermediar o negócio com o governo. Ele disse desconhecer o pedido de propina relatado por Dominguetti
Helcio Bruno de Almeida
Coronel da reserva, Almeida foi quem promoveu o encontro entre Dominguetti e Élcio Franco. Neste encontro, porém, Dominguetti disse que Élcio demonstrou desconhecer as tratativas com a Davati e o pedido de propina
Rodrigo de Lima Padilha
Funcionário terceirizado do ministério da Saúde que Criscuoli diz ter indicado como contato na pasta para a Davati
Convidecia/Belcher
A negociação pela compra do imunizante chinês Convidecia, da Cansino Biologics, foi feito pela Belcher Farmacêutica. A empresa, de Maringá (PR), tem entre os sócios pessoas próximas a Barros. Integrantes da CPI suspeitam que empresários bolsonaristas fizeram lobby para incluir o imunizante na lista do governo. O negócio, porém, também não foi fechado
Emanuel Ramalho Catori
Sócio da Belcher. Chegou a fazer live com empresários bolsonaristas para falar sobre a compra de vacinas
Carlos Wizard
Empresário bolsonarista é apontado como um dos apoiadores das negociações com a Cansino, responsável pelo imunizante chinês
Daniel Moleirinho Feio Ribeiro
Sócio da Belcher e filho de Francisco Feio Ribeiro Filho, que comandou a Urbanização de Maringá quando Barros foi prefeito
Luciano Hang
Também empresário bolsonarista, o dono da Havan é outro considerado um lobista da vacina Covidencia