O Globo, n. 32758, 15/04/2023. Opinião, p. 2

Lula ainda não conteve a alta no desmatamento



Os números mais recentes sobre desmatamento divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) são implacáveis para o governo Luiz Inácio Lula da Silva, eleito com a promessa de estancar a derrubada de florestas que deteriorou a imagem do país no exterior durante a gestão Jair Bolsonaro. No primeiro trimestre de 2023, os alertas de desmatamento no Cerrado bateram recorde, atingindo uma área de 1.375 quilômetros quadrados, segundo o sistema Deter, do Inpe. É uma área comparável à do município do Rio de Janeiro. A Amazônia registrou o segundo pior índice da série histórica, com perda de 844 quilômetros quadrados de vegetação.

Diante dos resultados, o Ministério do Meio Ambiente tentou amenizar a catástrofe. Disse que, no primeiro trimestre deste ano, houve aumento de 219% nas autuações de delitos contra a flora amazônica em relação à média no período dos últimos quatro anos. E que as apreensões de bens pela fiscalização cresceram 133% de janeiro a março, sustentadas principalmente pelas operações contra o garimpo ilegal nas terras ianomâmis. O governo alega que essas medidas descapitalizam os infratores e restringem o comércio ilegal do ouro.

É de conhecimento público que o governo anterior promoveu o desmonte dos órgãos ambientais, da legislação e das estruturas de fiscalização, contribuindo para que o crime organizado se expandisse pela Amazônia. Sabe-se também que operações envolvendo policiais e militares contra atividades ilegais estão em andamento nas terras ianomâmis, onde o garimpo clandestino e a negligência das autoridades provocaram uma tragédia humanitária. Mas o problema vai além das reservas, como mostram os números do Inpe.

O atual governo foi eleito tendo a preservação do meio ambiente como uma de suas principais bandeiras, em contraste com a administração anterior. Em seu primeiro discurso no cargo, Lula prometeu uma política de desmatamento zero na Amazônia. Claro que isso não será obtido de uma hora para outra, nem sem a ajuda dos estados. Porém, com mais de cem dias de mandato, é preciso começar a mostrar resultados. Não há justificativa para que o desmatamento tenha aumentado em pleno “inverno” amazônico, quando os índices costumam dar uma trégua antes de subir a partir de abril. Dizia-se que a ação dos criminosos seria desestimulada pela troca de governo. Só se esqueceram de combinar com os infratores.

É preciso passar rapidamente do discurso à ação. O governo tem à disposição diagnósticos robustos produzidos por instituições respeitadas, que fornecem informações sobre desmatamento em tempo real, além de todos os meios legais para combater os desmatadores. Não pode sequer recorrer à velha ladainha da falta de recursos. O Fundo Amazônia, congelado no governo passado em meio à política desastrosa do então ministro Ricardo Salles, foi reativado na atual gestão. São R$ 3,3 bilhões para usar em ações como controle do desmatamento, desde que o governo tenha projetos para isso.