Título: O paradoxo brasileiro
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 08/09/2005, Opinião, p. A10

O Brasil exposto no Relatório do Desenvolvimento Humano 2005, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano, é o resumo, em números, do que se sente no bolso e se contempla ao redor: um país de avanços lentos em algumas áreas, estagnação em outras e o balanço perturbador de que persistem desigualdades profundas, de conseqüências devastadoras para inúmeros cidadãos. Somados os indicadores avaliados pela ONU, referentes a 2003, o Brasil melhorou - mas muito pouco - no IDH, o índice de desenvolvimento humano que reúne dados de 177 países sobre expectativa de vida, educação e renda per capita. Embora tenha permanecido na 63ª colocação no ranking, atingiu a marca de 0,792, aproximando-se do chamado nível de desenvolvimento elevado (acima de 0,800).

Quando considerados os 165 países com séries históricas entre 1990 (data do primeiro relatório) e 2003, constata-se que o Brasil conseguiu subir 14 posições no período. Apenas quatro nações alcançaram um feito maior, enquanto outros cinco países apresentaram a mesma evolução. Saltos, embora modestos, foram percebidos na saúde e na educação. Entre 2002 e 2003, apontou o relatório, cresceram as taxas de matrícula e a longevidade do brasileiro.

Apesar de tais avanços, o IDH brasileiro oferece contornos inquietantes da perversidade nacional: segue, por exemplo, abaixo do índice médio da América Latina e do Caribe. Além de a renda ter caído no período analisado, não se alterou o cenário de desigualdade. No oitavo país mais desigual do mundo, os 10% mais ricos abocanham quase 47% da renda nacional. Por outro lado, somente em cinco países os 10% mais pobres ficam com uma parcela de renda menor que a dos brasileiros miseráveis.

Os dados conduzem a conclusões preocupantes. O progresso da qualidade de vida é excessivamente lento, marcado por chagas incomodamente persistentes, como a pobreza e a desigualdade. Insista-se: o país ainda mantém um alto nível de desigualdade social, aliado a um grande número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. Tais chagas se revelam especialmente em grupos específicos. Quando se analisa, por exemplo, o IDH da população negra, os índices caem de maneira assustadora se comparados com os da população branca. Mais: enquanto os indígenas brasileiros apresentam IDH semelhante ao da Bolívia, a população amarela tem indicadores de primeiro mundo.

Os avanços vinculados ao bem-estar no Brasil alertam para a timidez do poder público. Há uma questão a ser resolvida: como aplicar melhor o dinheiro dos contribuintes? Recursos destinados à rede de proteção social são desperdiçados pelo mau gerenciamento e pela corrupção. Falta amplitude ao saneamento básico. Universalizou-se o acesso à água, mas não se fez o mesmo com a rede de esgoto, um tiro de canhão contra o sonhado aumento da longevidade.

O volume de investimento da saúde é baixo se comparado às nações de mais alto desenvolvimento humano - proporcionalmente ao PIB. Some-se ao fato de que as taxas de alfabetização têm se estabilizado próximas dos 90%. Pelos padrões históricos, é um bom resultado. Mas com um décimo da população sem saber ler, as disparidades se acentuam e os progressos no padrão de renda familiar arrefecem.

Os números sugerem que a desigualdade brasileira não pode ser combatida apenas com programas de transferência de renda. Faltam reais mecanismos redistributivos - a diferença entre os sutis avanços identificados no IDH e os saltos monumentais desejados pelos brasileiros.