O Estado de S. Paulo, n. 46648, 06/07/2021. Metrópole, p. A10

Perguntas & Respostas: A proteção que vem da vacina



A infecção pela covid-19 por pessoas que já foram imunizadas com duas doses ou dose única, como aconteceu com a apresentadora Ana Maria Braga, que foi testada nesta segunda-feira, não demonstra ineficácia da vacina. Especialistas ouvidos pelo Estadão apontam que o principal benefício dos imunizantes é evitar que a covid-19 evolua para quadros graves. Mas eles reforçam que mesmo quem já foi vacinado pode ser infectado e transmitir a doença – sobretudo em lugares em que a taxa de transmissão continua alta.

1. Por que a infecção por quem já tomou a vacina não significa que o imunizante é ineficaz?

"Vacina não é como um medicamento, é um bem coletivo. Ela tem uma proteção que é individual, mas tem também a proteção coletiva, que é muito importante", diz a médica epidemiologista e vice-presidente do Instituto Sabin, Denise Garrett. É importante frisar que, ainda com as infecções, todas as vacinas anticovid aplicadas no Brasil têm a capacidade de prevenir contra evolução da doença a quadros graves e óbitos. Ao mesmo tempo, a epidemiologista diz que até as vacinas mais eficazes também têm taxas de breakthrough, que acabam variando de acordo com o espalhamento do vírus e com a transmissibilidade de novas cepas. "Eu posso tomar duas doses da vacina, gerar anticorpos e pegar a covid19 ainda assim. Mas, na maioria das vezes, se já estou imunizado, leva para quadros leves", diz o médico infectologista da SBIM Julival Ribeiro.

2. A circulação viral influi na contaminação de quem já foi imunizado?

Sim. Vale a explicação dada pela microbiologista Natalia Pasternak na CPI da Covid. Ela explicou que, por melhor que seja o goleiro de um time, se muitas bolas forem chutadas a gol, as chances de ele sofrer um gol acabam sendo maiores. Em meio a isso, as taxas de breakthrough acabam subindo no Brasil por uma série de razões, como relaxamento das medidas de proteção e o superespalhamento do vírus. "Se eu tenho uma vacina com uma proteção, digamos, de 50%, mas a circulação viral e as chances de se contaminar são muito baixas, as taxas de breakthrough são muito pequenas. Com a mesma vacina e em um ambiente com muita circulação viral, principalmente no caso de variantes que têm uma transmissão maior, o cenário muda", aponta Garrett. "Pelo relaxamento no País inteiro, minha preocupação é vir uma terceira onda com a variante Delta. Então, tem de se manter as medidas de proteção para evitar que isso aconteça", complementa Julival Ribeiro.

3. Pessoas já vacinadas contra a covid-19 transmitem a doença em menor grau?

Um estudo recente publicado no The New England Journal of Medicine aponta que, em relação a pacientes não vacinados, a probabilidade de transmissão domiciliar foi cerca de 40% a 50% menor entre pacientes de covid que se vacinaram com a segunda dose da Pfizer ou da Astrazeneca ao menos 21 dias antes de testar positivo. Garrett destaca que o risco de transmissão não é completamente eliminado, mas a diminuição das chances não deixa de ser animadora. Para a Coronavac, embora já haja dados de eficácia em relação a casos graves e óbitos, ainda faltam informações necessárias para a estratégia de vacinação, como, por exemplo, taxas de breakthrough, aponta Garrett. Nesse sentido, a pediatra e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIM), Isabella Ballalai, avisa que o que acaba fazendo a diferença é a cobertura vacinal, que ainda não está tão perto de se concretizar no Brasil.

4. Ao tomar as duas doses da vacina, pode-se relaxar as medidas de proteção?

Isabella Ballalai reforça, por experiência própria, que o ato de ser vacinado gera uma emoção muito grande, o que é positivo. Mas ainda assim não dá para negligenciar os chamados cuidados não farmacológicos. "A circulação do vírus é muito grande entre nós. Quanto menos controlada a pandemia, mais a gente tem de tomar cuidados, mesmo que alguns já estejam vacinados." Todos os especialistas ouvidos pelo Estadão salientam que a adoção de medidas, como o uso de máscaras adequadas e o distanciamento social, é fundamental para evitar o espalhamento do vírus pelo Brasil.

5. Fazer testes para diagnósticos de anticorpos da vacina contra a covid-19 é recomendado?

Não. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) inclusive já publicou um documento sobre isso. "Não existe até o momento definição da quantidade mínima de anticorpos neutralizantes necessária para conferir proteção imunológica contra a infecção pelo Sars-cov-2", diz. Isabella Ballalai acredita que esses testes vêm sendo feitos por uma ansiedade da população que, ao tomar a vacina, deseja ter uma comprovação de que o imunizante fez efeito.