Correio Braziliense, n. 21532, 28/02/2022. Mundo, p. 4

Bolsonaro: Brasil permanecerá neutro

Taísa Medeiros


O presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), afirmou que o Brasil permanecerá neutro em relação ao conflito na Ucrânia. Em coletiva de imprensa, no fim da tarde de ontem, no Guarujá, onde passa o carnaval, ele ainda questionou: “Você quer que eu faça o que pra acabar com a guerra? Tudo que eu podia fazer eu já fiz e vou continuar fazendo”, disparou. Bolsonaro contou que ele e o presidente russo, Vladimir Putin, conversaram por duas horas, ontem, por telefone.

 

Horas depois, a Assessoria de Imprensa do Gabinete do Ministérios das Relações Exteriores soltou uma nota desmentindo a informação. “A respeito do que foi tratado hoje (27/02/22), em entrevista coletiva no Forte dos Andradas — Guarujá/SP, cumpre esclarecer que, em nenhum momento, o presidente Jair Bolsonaro afirmou ter conversado ao telefone com o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, neste domingo. A fala do presidente do Brasil refere-se à conversa reservada que os dois líderes tiveram, no dia 16/02/22, em Moscou — Rússia, durante a visita oficial àquele país”, diz a nota. O próprio Bolsonaro se desmentiu por meio das redes sociais.

 

O presidente defendeu que uma postura mais forte do Brasil em relação ao confronto poderia agravar a fome e a miséria no país, por conta das relações comercias com a Rússia. “No meu entender, nós não vamos tomar partido. Vamos continuar pela neutralidade e ajudar, na medida do possível, na busca por soluções. Eu vou esperar o relatório (da ONU) para ver como vai ser minha posição. Isso (uma posição mais crítica) pode trazer sérios prejuízos para a agricultura no Brasil”, defendeu. “Não queremos trazer mais sofrimentos.”

 

Ao ser questionado a respeito da conversa que teve com Putin,quando esteve na Rússia, Bolsonaro afirmou que não poderia dar mais detalhes, mas garantiu que foi um encontro descontraído. O presidente ainda teceu comentários elogiosos a Vladimir Putin. “Todas as vezes que conversei com o Putin foi uma conversa de altíssimo nível.” Durante toda a entrevista, o chefe do Executivo brasileiro optou por não fazer nenhuma crítica ao presidente russo. Mas criticou o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. “O povo confiou a um comediante os destinos da nação”, frisou.

 

Bolsonaro disse, ainda, que é um “exagero falar em massacre” na Ucrânia. “Eu entendo que não há interesse por parte do líder russo de praticar um massacre. Ele está se empenhando em duas regiões do sul da Ucrânia que, em referendo, mais de 90% da população quis se tornar independente, se aproximando da Rússia. Uma decisão minha pode trazer sérios prejuízos para o Brasil”, reiterou.

 

Sobre as ameças nucleares feitas por Putin, o presidente brasileiro definiu como uma “proposta natimorta”. “Não tem cabimento de negociar. Ninguém quer usar a pólvora, todo mundo prefere usar a saliva, mas você não sabe o que acontece do lado de lá”, disse. “A maioria dos chefes do mundo pensam o que eu estou pensando: querem a solução do caso.”

 

Em relação ao resgate dos cidadãos brasileiros que vivem na Ucrânia, o presidente voltou a dizer que as aeronaves de transporte tático/logístico C-390 Millennium estão à disposição para uma possível incursão na Ucrânia. “Se tiver brasileiros, havendo vaga, eles entrarão nos nossos aviões. Eu não acredito que se bloqueie as fronteiras, porque é uma questão humanitária. Nenhum país quer expor vidas a uma guerra, ainda mais gente de fora.”

 

 

Sessão extraordinária

 

Ontem, o embaixador brasileiro na ONU, Ronaldo Costa Filho, reafirmou, em reunião extraordinária, o voto do Brasil contrário à Rússia. O encontro determinou a convocação extraordinária da Assembleia Geral das Nações Unidas para hoje.

 

Costa Filho, porém, atenuou o discurso em relação ao da última sexta-feira, em que condenou veementemente a invasão à Ucrânia. Ontem, o embaixador alertou que sanções econômicas de Europa e EUA à Rússia mais o envio de armas para a Ucrânia podem piorar a situação do conflito.

 

“O fornecimento de armas, o recurso a ciberataques e a aplicação de sanções seletivas, que podem afetar setores como fertilizantes e trigo, com forte risco de aumentar a fome, acarretam o risco de agravar e espalhar o conflito e não de resolvê-lo. Não podemos ignorar o fato de que essas medidas aumentam os riscos de um confronto mais amplo e direto entre a Otan e a Rússia.”

O embaixador defendeu que o Conselho não exauriu os recursos para conter o avanço do conflito e contribuir para uma solução diplomática em direção à paz. Costa Filho ainda reiterou o pedido para que cessem as hostilidades e para que haja diálogo entre as partes envolvidas.

Apenas a Rússia foi contra a resolução aprovada para que ocorra uma Sessão de Emergência. Foram 11 votos a favor, um contra e três abstenções — China, Índia e Emirados Árabes Unidos.

 

Ataque cibernético

 

O encarregado da Embaixada da Ucrânia no Brasil, Anatoliy Tkach, afirmou que o site da representação foi alvo de ataque cibernético da Rússia. “Nos quatro dias, as autoridades ucranianas, os bunkers, estão sofrendo ataques cibernéticos maciços. Também os nossos sites e e-mails não estão funcionando no momento. Não há previsão para retomada”, disse, em coletiva. Tkach reforçou pedido de ajuda humanitária à Ucrânia e disse que o melhor canal para doações é o Facebook da embaixada, onde está disponível o número de PIX para transferências.