Título: ¿O Brasil tem fome de crescer¿
Autor: Samantha Lima e Marcelo Kischinhevsky
Fonte: Jornal do Brasil, 04/09/2005, Economia & Negócios, p. A19

O Brasil precisa, urgentemente, selar um pacto pela prosperidade. O alerta é do economista Paulo Rabello de Castro, que lançará a proposta, amanhã, no seminário ¿Agenda 2007¿, na Fecomercio-SP. O evento contará com a presença de nomes como o ex-ministro Delfim Netto, o ex-presidente do BNDES Luiz Carlos Mendonça de Barros, o especialista em contas públicas Raul Velloso e o diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea, Paulo Levy. Mesmo diante da crise política, pretende retomar a discussão de medidas que garantam o tão sonhado crescimento sustentado e assegurem a geração de empregos e a redução das desigualdades. Para evitar que os avanços necessários se diluam no ritmo próprio das reformas constitucionais, defende a concentração das discussões na criação de uma espécie de Constituinte econômica. O objetivo é contemplar soluções para todas as mazelas causadas pela ineficiência da máquina estatal e por políticas que considera equivocadas. Em sua opinião, porém, as propostas só avançarão se o presidente Lula olhar em direção ao futuro, criando oportunidades para o país avançar. A chamada ¿agenda da prosperidade¿ passaria, obrigatoriamente, pela redução da taxa de juros e da dívida pública e por um ¿choque de gestão¿ no setor público. A seguir, os principais trechos da entrevista ao JB.

- Existe hoje ambiente político para se iniciar a discussão sobre uma agenda de prosperidade?

- De forma alguma devemos abdicar de pensar nesse futuro que está nos cobrando definições. É a resposta objetiva que a sociedade quer dar perante a grande dúvida que se pôs na alma dos brasileiros a partir da crise política, e que também lança sombras no destino da economia. A crise política obriga a pensar em 2007. E a agenda da prosperidade precisa ser retomada. O governo Lula ficou sem cara ao optar pela continuidade de uma política econômica fundada em princípios que o próprio eleitorado repudiou em 2002.

- Na gestão Lula, o desafio de reduzir a concentração de renda persiste. Como atacar a questão?

- A intensificação do processo de concentração de renda nas últimas duas décadas se deve a um equívoco de diagnóstico das nossas mazelas econômicas. O médico erra no remédio dos juros elevados num país cuja estrutura financeira não comporta isso. Essa taxa de juros quem paga é o governo, que a transfere para a população. Na última década, a carga tributária aumentou um ponto percentual do PIB a cada ano. É um fenômeno único no mundo.

- O presidente tem se comparado a Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Em que medida seus governos se aproximam?

- Lula não devia buscar em fantasmas herança e legado que não o habilitam. Mas poderia fazer uma coisa que o aproximasse da grandeza de um Getúlio ou JK, que souberam abrir janelas para o futuro, apesar das crises. Eu vejo uma janela importante, que é a revisão constitucional. A Constituição é prolixa, antiquada e generosa sem mostrar os meios.

- Nessa revisão, o sr. propõe uma Constituinte econômica. O que seria isso?

- Trata-se de uma terminologia para abrigar conjunto de providências no campo econômico que deveriam ser constitucionalizadas. Por exemplo, a reforma tributária. Economistas podem propor idéias para modernizar o sistema tributário, mas dentro da revisão da Carta Magna. É preciso incluir, ainda, a partilha federativa e a dívida dos estados, para tirá-los da dependência da União, e a questão previdenciária. Também precisamos revisitar a necessidade de equilibrar o orçamento público e reduzir da carga tributária, entre outros pontos.

- A relação dívida/PIB voltou a crescer. Há alternativa à política de manter os juros nas alturas, em nome da estabilidade?

- Não existe possibilidade dinâmica de reduzir a relação se a dívida cresce a uma taxa de juros superior à do PIB. É matemática. A regra para uma queda sustentada do endividamento é a taxa de crescimento estar maior do que os juros reais.

- A proposta do déficit zero vai ao encontro da necessidade de reduzir a dívida?

- A proposta joga luz sobre o custo financeiro de rolagem da dívida. O superávit primário é o esforço que a sociedade faz para pagar a conta de juros, algo que, quando não se lida com o resultado nominal, leva ao abandono da análise crítica dessa conta. E, para equilibrar o orçamento, precisamos passar o gasto do governo a limpo: chamar um grupo para reavaliar os procedimentos administrativos, num choque de gestão, exatamente o contrário do que o PT fez. Isso reduziria os gastos em 10%, ou R$ 25 bilhões ao ano. O equilíbrio da dívida permitiria economizar outros R$ 25 bi.

- Qual seria a taxa mínima de crescimento necessária?

- Precisamos crescer a uma taxa média anual de 5%, o mínimo necessário para dar emprego à população jovem adulta, que cresce a 3% ao ano, e para compensar o ganho de produtividade dos empresários. No governo Lula, a média de crescimento é de 2,6%, próxima aos 2,8% da média de crescimento do período de Fernando Henrique Cardoso. E isso ocorre numa época muito mais favorável do que naquele período. Somos um país com fome de crescer, mas estamos perdendo capacidade de sonhar o futuro. Só sonhamos com um passado, o presidente inclusive.

- Como conciliar o desafio de crescimento com o medo de volta da inflação?

- Não há inflação quando a moeda é forte. A moeda se fortalece com o controle de emissões, que hoje crescem 20% ao ano por conta do déficit e da dívida. É preciso também reduzir os juros, porque são prêmios de risco, o que nos remete à necessidade de austeridade. O governo precisa dizer ao mercado que não precisa de dinheiro, para que os juros caiam.

- Qual sua avaliação do comportamento do câmbio hoje e sua importância para o regime de metas de inflação?

- Sempre fui favorável ao regime de câmbio flutuante, mas isso não quer dizer câmbio manipulado por juros. O juro em regime cambial não pode ser elevado de forma tão pesada porque interfere no regime de metas. Não sou contra o regime de metas, mas, no Brasil, ele põe todo esforço de ajuste inflacionário em uma variável que precisa ser respeitada por compatibilidade internacional. Deve compreender movimentos dos juros muito pequenos. Mas o BC usa exageradamente o recurso. Se a crise prejudicasse os fundamentos econômicos, para onde iriam os juros?

- O sr. é a favor de barreiras ao capital especulativo?

- Uma moeda forte não precisa de proteção a esses ataques.

- Especialistas têm apontado uma paralisia dos investimentos. O que pode ser feito?

- Precisamos de um choque de investimentos. As PPPs (Parcerias Público-Privadas) em parte podem ser uma solução, mas somente em segmentos com potencial de atrair o setor privado. O que for demorado cumpre ao governo fazer, e destaco aí estratégias para a integração sul-americana. O país não pode se manter dentro de duas fronteiras. Para integrar a região, é preciso investir no fortalecimento da matriz energética e de transportes.