Título: Tragadas da discórdia
Autor: Cristiane Crelier
Fonte: Jornal do Brasil, 04/09/2005, Economia & Negócios, p. A23

''Se eu quiser fumar, eu fumo'', diz a letra da música defendendo a liberdade daquele que consome. Mas alguns fumantes se esquecem da liberdade de quem não quer fumar. O uso de qualquer tipo de cigarro ou derivados do fumo em local coletivo, privado ou público - ''salvo em área adequada para esse fim'' -, é proibido por lei federal (nº 9.294/96). Contudo, os consumidores de shoppings, restaurantes e usuários de ônibus reclamam que continuam tendo que dividir espaços fechados com o cigarro aceso de outras pessoas.

A boa notícia para estes consumidores é que o combate ao tabagismo passivo deverá se intensificar. Durante a semana, em homenagem ao Dia Nacional Contra o Fumo, o governo estadual anunciou que irá iniciar campanha para o Pan 2007 livre de tabaco. De qualquer forma, já estão surgindo ações na Justiça visando punir quem não fazem cumprir a lei.

No Rio de Janeiro, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), apenas 17,5% dos cariocas fumam. Mesmo assim, o índice de poluição tabagística em bares e restaurantes do Rio é um dos maiores da América Latina - só perdendo para Buenos Aires, onde 39,8% dos cidadãos são fumantes. A pesquisa foi realizada junto a institutos internacionais, que defendem que não adianta separar área para fumantes - ''porque a fumaça se espalha''.

- Mas a situação em ônibus é ainda pior. Porque, no restaurante ou bar, o consumidor tem a opção de não entrar ou não ficar. Porém, no ônibus, se a gente desce por causa de um fumante, está jogando dinheiro fora, porque os funcionários da empresa não vão dispensar o passageiro de pagar a passagem porque está incomodado com um fumante - diz a secretária Arlete Pereira.

O Jornal do Brasil pesquisou em alguns ônibus da cidade e constatou que a presença de pessoas com cigarros acesos dentro dos coletivos é bastante freqüente. Houve inclusive o caso de um trocador que, ao ser perguntado sobre um passageiro com o cigarro aceso, se limitou a responder que não o repreenderia ''porque o fumante sabe que é proibido''. Além disso, foram encontrados motoristas fumando e até mesmo um fiscal da empresa fumando dentro do coletivo, inclusive na presença de bebês.

- É um absurdo a falta de educação de alguns fumantes. O que mais impressiona é que diversos motoristas de ônibus fumam ao volante. As empresas deveriam ser punidas com multas por conta deste desrespeito. O consumidor deve reclamar perante os órgãos responsáveis, por exemplo a Secretaria Municipal de Transportes Urbanos (SMTU), ou até mesmo na Prefeitura - aconselha o advogado Eurivaldo Neves Bezerra, do Consumidor Ativo.

Para a advogada Maíra Feltrin, do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), é bom que o consumidor reclame com a SMTU para dar ciência ao órgão que estabelece os contratos das empresas.

- De modo geral, sendo em ônibus ou estabelecimento comercial, é importante que o consumidor procure o gerente, ou dono, ou outro responsável para reclamar quando se sentir incomodado - acredita Maíra.

A advogada Chris Mibielli, do escritório Bulhões e Mibielli, não vê relação de consumo, mas obrigação de denunciar.

- Se uma pessoa encontra-se em um local, onde, por lei, é proibido fumar e o responsável pelo estabelecimento não toma uma atitude para reprimir o fumante, na verdade ele está se omitindo quanto ao cumprimento da lei, mas não há nenhuma responsabilidade do estabelecimento, que possa ser apurada à luz da Lei do Consumidor. Lei é lei e como tal deve ser cumprida por todos. Na verdade, é muito mais uma questão de consciência e de cidadania, que a própria pessoa incomodada deve reprimir, até em nome do direito constitucional à saúde e à vida - afirma Chris Mibielli.

O pianista Alexandre Augusto fuma em locais fechados apenas em áreas permitidas.

- Mesmo assim, procuro ver se não tem ninguém na mesa ao lado que possa se incomodar.

Em Alagoas, um shopping foi notificado por descumprir a lei que proíbe fumar. Partindo de uma denúncia, a Procuradoria Regional do Trabalho investiga o não cumprimento da lei no shopping center, ''prejudicando a saúde dos consumidores e, principalmente, dos funcionários que permanecem como fumantes passivos, já que não podem se retirar do seu ambiente de trabalho''. A procuradoria se pautou pelas normas de proteção ao ambiente de trabalho saudável e chamou o empreendedor para esclarecimentos.