O Estado de São Paulo, n. 46664, 22/07/2021. Política p.A14

 

TCU avança em ações do orçamento secreto


Tribunal tem ao menos cinco apurações em andamento sobre indicações de recursos

André Shalders

Breno Pires 

O Tribunal de Contas da União (TCU) tem ao menos cinco apurações em andamento para investigar possíveis irregularidades no uso de dinheiro público no caso do orçamento secreto. As duas apurações mais avançadas estão sob responsabilidade dos ministros Aroldo Cedraz e Weder de Oliveira.

Revelado pelo Estadão no começo de maio, o orçamento secreto foi desenhado pelo governo Jair Bolsonaro em 2020 para beneficiar deputados federais e senadores com a indicação da destinação de dinheiro das emendas de relator-geral (também chamadas RP9) em troca de apoio no Congresso Nacional. Ao todo, as emendas de relator somam R$ 20,1 bilhões no orçamento do ano passado.

Ao contrário das emendas individuais, de bancada e de comissões, o valor das emendas de relator foi distribuído de forma desigual entre os políticos, de modo a beneficiar aliados do governo. Diferentemente dos outros tipos de emendas, tais recursos foram destinados mediante acordos secretos, sem que se saiba qual político indicou o quê.

Das cinco apurações em curso no TCU, duas já passaram pelo crivo da área técnica do tribunal e chegaram aos gabinetes dos ministros relatores para que eles se pronunciem a respeito das medidas recomendadas pelos técnicos.

No processo relatado por Oliveira, a investigação trata de "possíveis irregularidades nos repasses de recursos federais realizados pelo MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional) e pela Codevasf (Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco) a municípios para a compra de tratores e outros equipamentos agrícolas". O caso está sendo investigado pela Secretaria de Controle de Aquisições Logísticas (Selog), que pediu a realização de diligências na empresa pública e no ministério comandado por Rogério Marinho.

Além das apurações relatadas por Cedraz e Oliveira, há também um processo em curso sob a relatoria do ministro Raimundo Carreiro. Outros dois estão sob responsabilidade do ministro Jorge Oliveira – ele chegou ao TCU no fim de 2020 por indicação do presidente Jair Bolsonaro, depois de ter sido ministro da Secretaria-geral da Presidência da República.

As apurações hoje em curso na Corte de Contas têm origem em representações de membros do Ministério Público junto ao tribunal e em denúncias de parlamentares, como o deputado federal Vinícius Poit (Novosp). O processo originado pela representação de Poit é o relatado por Oliveira.

À parte dessas cinco apurações sobre possíveis irregularidades no uso das emendas de relator, o TCU também analisa o assunto na análise das contas do governo no exercício de 2020, que serão julgadas na próxima quarta-feira. A área técnica do tribunal considerou que o uso feito pelo governo de Jair Bolsonaro das emendas de relator contraria os "princípios constitucionais", as "regras de transparência" e a "noção de accountability", isto é, a obrigação dos gestores de prestarem contas sobre o uso dos recursos públicos.

 

Microempresa. Um dos processos em curso diz respeito à empresa JND Representações. Como mostrou o Estadão no fim de maio, a JND – uma microempresa com capital social de apenas R$ 50 mil – fechou três contratos com a Codevasf no fim de 2020 para fornecer maquinário pesado, no valor total de R$ 11,04 milhões. A empresa foi aberta por um jovem de 29 anos e é sediada em um apartamento residencial em São Paulo.

Os contratos da Codevasf com a JND Representações foram fechados por indicações do ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP). Questionado pelo Estadão à época, o dono da firma, Jonathan Allison Dias, afirmou não ter nenhum conhecimento sobre a indicação de Alcolumbre e que nem sequer o conhece. "Minha empresa cumpre com todos os requisitos de qualificação exigidos pelo edital", disse. A Codevasf informou que os contratos vencidos pela JND "foram realizados no site oficial de Compras do Governo Federal, onde ficam registrados todos os atos praticados pelo pregoeiro responsável".

 

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Congresso ignorou alertas sobre emendas

 

Daniel Weterman

Lorenna Rodrigues

 

Ao destinar um cheque em branco para Estados e municípios por meio de emendas parlamentares, deputados e senadores ignoraram alertas feitos por técnicos do próprio Congresso e de órgãos de controle. Em fevereiro deste ano, a consultoria de Orçamento da Câmara elaborou uma nota apontando que o modelo afetava princípios da Constituição. Em 2019, quando esse repasse foi criado, o Ministério Público Federal (MPF) encaminhou uma análise aos gabinetes na tentativa de barrar a mudança e preservar a prerrogativa de fiscalização federal, mas não convenceu os congressistas.

Conforme o Estadão/broadcast revelou, dois de cada três parlamentares usaram uma modalidade de repasse de recursos menos transparente para enviar dinheiro a prefeituras e governos estaduais em 2021. O volume das emendas sem carimbo, que podem ser usadas em qualquer área e sem fiscalização federal, saltou de R$ 621 milhões em 2020 para R$ 1,9 bilhão neste ano. O mecanismo foi criado por uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em 2019 que uniu governo e oposição e foi aprovada a toque de caixa, no final daquele ano legislativo.

Nota da Consultoria de Orçamento da Câmara, editada em fevereiro, período em que os parlamentares preparavam suas emendas, alertou para possíveis violações a princípios constitucionais com o uso das transferências especiais. "As transferências especiais permitem ganho na agilidade de repasse de recursos da União para os demais entes. Mas trazem um déficit de transparência e controle social dos recursos do orçamento da União, afetando potencialmente o modelo federativo no que tange ao equilíbrio na distribuição de recursos e competências", diz o documento.