Título: Cagarras: Pesca predatória ameaça arquipélago
Autor: Florença Mazza
Fonte: Jornal do Brasil, 04/09/2005, Rio, p. A25

A cinco quilômetros da Praia de Ipanema, as Ilhas Cagarras revelam-se destino não apenas de mergulhadores e veranistas mas de animais de toda sorte: aves migratórias e uma infinidade de espécimes de peixes e golfinhos ¿ alguns estiveram aqui em 2004 e já foram vistos novamente este ano. Mas este paraíso natural, vizinho à cidade, corre perigo. Pesquisadores do Instituto Ecomama e da Universidade Federal Fluminense (UFF) que fazem levantamentos inéditos sobre a fauna local denunciam a pesca predatória no arquipélago. E clamam para que as Cagarras sejam transformadas o quanto antes em uma unidade de conservação. ¿ A presença dos golfinhos é um sinal positivo, mas as ilhas estão entregues ao abandono. Eles estão ali ainda, mas podem sumir de uma hora para outra se o alimento ficar escasso. Quem freqüenta o arquipélago há muito tempo percebe que a fauna marinha diminuiu muito ali ¿ lamenta a bióloga Liliane Lodi, coordenadora do Ecomama.

Arduíno Colasanti, 69 anos, que mergulha nas Cagarras desde a década de 50, é outro que chora a rápida degradação do arquipélago. Parceiro dos pesquisadores ¿ ele é sócio da operadora de mergulho Tempo de Fundo, que cede o equipamento para os estudiosos ¿ lamenta o sumiço de espécies de peixes e de arraias.

¿ Até a costa eles raspam para tirar o mexilhão ¿ conta Arduíno, ainda mergulhador.

Carlos Rangel, um dos pesquisadores do laboratório de Biologia do Nécton e Ecologia Pesqueira da UFF que estudam as espécies de peixe que habitam as Cagarras, denuncia a escassez de meros, garoupas e badejos.

¿ Sabemos que ali tem pesca de arrasto e captura de sardinhas na época do defeso, além de caça submarina ¿ reclama Carlos, acrescentando que já houve até pesca com dinamite na região.

O gerente do Ibama no Rio, Edson Bedim, admite que não há regularidade nas fiscalizações no arquipélago das Cagarras. Segundo ele, o instituto trabalha em parceria com a Capitania dos Portos, que faz ações preventivas em toda a costa e comunica qualquer irregularidade. Quando há denúncias de acampamentos ou depredação nas ilhas, o Ibama desloca uma equipe ao local.

¿ Temos um número pequeno de fiscais. São 60 para agir nos 92 municípios de todo o estado ¿ diz Bedim. Ele afirma, entretanto, que, graças às ações da Marinha, são esporádicas as denúncias de irregularidades nas Cagarras.

O Ecomama começou a pesquisar os golfinhos no arquipélago em março do ano passado e já catalogou 17 animais. Dois deles já foram vistos este ano. Já os pesquisadores da UFF começaram a levantar as espécies de peixes há cerca de dois meses. Ambos os estudos vão dar subsídios ao projeto de lei do deputado Fernando Gabeira (PV) que pretende transformar as ilhas Cagarras, Palmas, Comprida, Filhote da Cagarra, Rasa, Redonda e Filhote da Redonda, além de seu entorno, em monumento natural. O projeto ¿ aprovado na Câmara e aguardando votação no senado ¿ pretende criar um plano de manejo para o arquipélago, proibindo competições esportivas, acampamento sem autorização e pesca com redes ou armadilhas.

¿ A questão do uso precisa ser discutido com mergulhadores e freqüentadores urgentemente. Temos um sistema único de ilhas perto de uma cidade como o Rio e ele é tratado com descaso ¿ diz Cassiano Monteiro Neto, coordenador do laboratório da UFF.

A criação de uma unidade de conservação nas ilhas é pleito antigo. Em 1989, a resolução número 11 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) propôs a criação de uma Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) nas Cagarras, nunca decretada. Liliane Lodi lembra ainda que nenhum arquipélago no Rio é protegido:

¿ As rochas são um ponto de vida no meio do oceano. No entanto, se conhece mais de Fernando de Noronha do que das ilhas do Rio.