O Globo, n. 32760, 17/04/2023. Opinião, p. 2

Senado tem de vetar mudanças na Lei da Mata Atlântica



Restam apenas 24% da cobertura vegetal nativa da Mata Atlântica, mas ainda há quem queira continuar a derrubá-la. A mais nova manobra dos desmatadores ocorreu no Congresso, com a conversão em lei da Medida Provisória (MP) 1.150, emitida ainda no governo Bolsonaro.

A MP foi o veículo usado por parlamentares a serviço dos interesses dos desmatadores para anexar emendas sem relação direta com o teor do texto, os proverbiais “jabutis”. O objetivo era alterar o artigo 14 da Lei da Mata Atlântica, de 2006, para facilitar o desmatamento, sob o pretexto da execução de projetos de turismo, estradas, atividades agropecuárias e toda sorte de obras que põem em risco o meio ambiente.

Relatada pelo deputado Sergio Souza (MDB-PR), a conversão da MP em lei, da forma como foi feita, representa, nas palavras de Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, o “sonho de consumo” da bancada da Câmara a serviço dos interesses de desmatadores.

Numa prova da fragilidade do governo Lula na Câmara, o Planalto aceitou a proposta de manter o texto como está, com o enfraquecimento da Lei da Mata Atlântica. Em troca, deputados do União Brasil firmaram o compromisso de que, se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetar trechos da lei depois de ela passar pelo Senado, os vetos não serão derrubados no Congresso. O melhor teria sido não aceitar tal barganha. Mas o Planalto, sem base parlamentar confiável, preferiu acolher os estranhos termos do acordo, cumprido com o voto do PT. A escolha de Efraim Filho (União-PB) para relatar o projeto no Senado não anima os ambientalistas.

É lamentável que Lula tenha de impor vetos à lei. De acordo com Ribeiro, por ocasião da tramitação do Código Florestal, a presidente Dilma teve de vetar trechos, e a lei virou uma “colcha de retalhos”. “No Congresso parece que a terra ainda é plana”, diz Luís Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da SOS Mata Atlântica.

Ele considera — com razão — um contrassenso revogar a proteção da Mata Atlântica, enquanto a Noruega, um dos financiadores do Fundo Amazônia, avisou que voltará a apoiar projetos ambientais no Brasil por confiar na promessa do governo de combater o desmatamento. Em nota técnica enviada aos parlamentares, a SOS Mata Atlântica lembra que Curitiba enfrentou uma seca de quatro anos por ter permitido o desmatamento nas cabeceiras e proximidades dos rios.

As emendas à MP permitem, entre outros retrocessos, a destruição de vegetação primária e secundária em regeneração avançada sem a necessidade de parecer técnico de órgão ambiental estadual (a função passará aos municípios, mais permeáveis a pressões). Também prorroga pela sexta vez o prazo para produtores rurais se inscreverem no Programa de Regularização Ambiental (PRA), tornando sem efeito esse dispositivo do Código Florestal.

Uma alternativa em estudo pela SOS Mata Atlântica é arguir a inconstitucionalidade na tramitação da lei. Por ser uma legislação especial, qualquer mudança na Lei da Mata Atlântica teria necessidade de passar pelas comissões de Constituição e Justiça e de Meio Ambiente antes de ir a plenário. Não foi o que aconteceu. Está aberta, portanto, a porta para a judicialização. Claro que a melhor alternativa é o Senado, Casa revisora do Congresso, restabelecer o bom senso e manter o texto original da Lei da Mata Atlântica.