O Globo, n. 32760, 17/04/2023. Mundo, p. 22

Lula critica Ucrânia e governo recebe chanceler russo

Manoel Ventura
Daniel Gullino


Um dia após dizer que a Ucrânia também é responsável pela guerra iniciada pela Rússia há pouco mais de um ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe hoje pessoalmente, no Palácio do Planalto, o chanceler de Vladimir Putin, Serguei Lavrov, de acordo com agenda divulgada ontem pelo Itamaraty. Lavrov desembarca em Brasília para uma viagem na qual discutirá, entre outros assuntos, o conflito.

As últimas declarações de Lula incomodaram a integrantes do governo americano, cujas percepções são de que o Brasil tem adotado um tom aberto contra Washington e de alinhamento a Moscou e Pequim, como mostrou ontem O GLOBO. A viagem de Lavrov pode ampliar essa percepção.

O chanceler russo se reúne com o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Mauro Vieira, pela manhã. A agenda com Lula será durante a tarde e está prevista para durar uma hora, segundo a agenda.

Antes de embarcar de volta ao Brasil, Lula afirmou ontem em Abu Dhabi —ao encerrar seu giro pela Ásia que contou com visita à China — que a Ucrânia também foi responsável pela decisão de entrar em guerra com a Rússia.

— A construção da guerra será mais fácil que a saída da guerra. Porque a decisão da guerra foi tomada por dois países. E agora nós estamos tentando construir um grupo de países que não tem nenhum envolvimento com a guerra, que não querem a guerra, que desejam construir paz no mundo, para conversarmos tanto com a Rússia quanto com a Ucrânia —declarou.

No sábado, Lula defendeu que países parem de enviar armas à Ucrânia. Kiev recebe, desde o início da guerra, armamentos e munições de países europeus e dos EUA, o que possibilitou segurar o avanço russo.

Grupo pela paz

Lula também voltou a indicar que os americanos e europeus querem a guerra:

— Temos que ter em conta que é preciso conversar também com os EUA e a União Europeia. Ou seja, nós precisamos convencer as pessoas de que a paz é a melhor coisa para estabelecer qualquer processo de conversação. Do jeito que está a coisa, a paz está muito difícil.

O presidente brasileiro defendeu o fortalecimento da governança global e que as negociações para a paz na Ucrânia sejam conduzidas por um grupo semelhante ao G20 — o grupo que reúne as maiores economias do mundo — envolvendo países que seriam neutros no conflito. Lula disse que falou com o presidente chinês, Xi Jinping, e com o presidente dos Emirados Árabes Unidos, xeque Mohammed ben Zayed al Nahyan, e afirmou acreditar na possibilidade de êxito na formação do grupo.

— É importante criar um outro G20 para acabar com a guerra e estabelecer a paz. Nós estamos encontrando um conjunto de pessoas que preferem falar em paz do que em guerra.

O presidente Lula disse ainda que os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, não tomam a iniciativa de encerrar o conflito e que os EUA seguem contribuindo para a continuidade da guerra.

China maior que EUA

— O presidente Putin não toma a iniciativa de parar, o Zelensky não toma a iniciativa de parar. A Aeronáutica dos Estados Unidos terminam dando uma contribuição para a continuidade dessa guerra. Nós temos que sentar numa mesa e dizer chega. Vamos conversar porque guerra nunca trouxe ou nunca trará benefícios.

O presidente disse também também que a China já seria a maior economia do mundo, “dependendo de como se analisa”, à frente dos Estados Unidos. O presidente criticou o G7 — grupo das economias mais poderosas do planeta, composto por Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá — por não convidar alguns países para as suas reuniões e disse que o G20 (que inclui além destas nações outras 12 grandes economias e a União Europeia) “é uma coisa muito mais importante”.

— A gente poderia neste instante estar convocando o G20 para discutir a inflação no mundo, a taxa de juros no mundo, a violência. A ordem do dia é fortalecer a democracia no mundo, é acabar com a disseminação do ódio através da rede social, é acabar com a fome no mundo, acabar com a desigualdade.