O Globo, n. 32760, 17/04/2023. Brasil, p. 8

Sob nova direção

Cleide Carvalho


O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) vai propor a retirada das unidades de conservação do Programa Nacional de Desestatização e pretende rever as regras de concessão para a iniciativa privada. Segundo Marina Kluppel, coordenadora Geral de Uso Público e Serviços Ambientais, a ideia é dar mais transparência aos contratos e deixar claro que a iniciativa privada assumirá a oferta de serviços e infraestrutura de turismo, mas que a gestão e a fiscalização dos parques nacionais e das unidades de conservação seguem feitas pelo órgão, assim como a responsabilidade de autorizar qualquer tipo de uso das áreas.

Segundo Marina, ao tratar as concessões como privatização, o governo Jair Bolsonaro passou uma mensagem equivocada de que as empresas concessionárias seriam responsáveis integralmente pelas áreas, mas não é isso o que ocorre. O ICMBio, diz, continua com a gestão das áreas e discutirá com as concessionárias propostas de uso. O modelo de concessão de até 30 anos só será feito para grandes parques, com potencial para receber mais de 150 mil visitantes por ano e que exigem uma infraestrutura maior de oferta de serviços. Nos demais casos, adianta, há outros mecanismos para atrair a iniciativa privada, como autorizações, permissões e parcerias com entidades sem fins lucrativos.

—Tivemos foco muito grande na concessão e algumas escolhas foram equivocadas. A demanda é um critério para escolha do instrumento que será usado para qualificar a oferta para o visitante —diz.

Pelo menos 14 parques estão inseridos no PND e, até junho, o ICMBio vai reavaliar as áreas anunciadas para verificar qual a melhor forma de parceria em cada uma delas. No total, o Brasil tem 74 parques nacionais. Segundo Marina, a concessão é um instrumento para ser usado quando há necessidade de construção de infraestrutura de visitação e depende da capacidade de investimento para garantir a oferta de serviços, além do valor de outorga. A ideia é explorar também outros mecanismos de parceria, como permissões, autorizações e acordos com organizações sociais, como ocorre hoje com os parques nacionais Cavernas do Peruaçu (MG) e Serra da Capivara (PI).

Marina afirma que a concessão do Parque Nacional de Jericoacoara, por exemplo, que foi suspensa para receber sugestões do governo do Ceará, deve ser levada adiante por ter adesão da própria comunidade. Trata-se do terceiro maior do país em número de visitantes, com público de mais de 1,3 milhão de pessoas em 2019. O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, segundo ela, exige outro tipo de parceria, por incluir inúmeras comunidades tradicionais que dependem da área para viver.

O mais visitado do Brasil é o Parque Nacional da Tijuca (RJ), com quase 3 milhões de visitas por ano, que opera com duas concessões para a iniciativa privada — uma para a operação do bondinho que leva ao Cristo Redentor e outra para serviços de apoio.

Recorde em 2019

O primeiro contrato de concessão firmado com a iniciativa privada foi em 1998 com o Parque Nacional do Iguaçu, o segundo mais procurado do país, com mais de 2 milhões de visitantes por ano. O contrato venceu no ano passado e foi feita nova licitação, que prevê abertura de novas áreas de visitação, além das cataratas, hoje o principal chamariz.

Segundo estudo do BNDES, que passou a trabalhar em conjunto com o ICMBio na modelagem de contratos, em 2019, último ano antes da pandemia do coronavírus, a visitação em unidades de conservação federais bateu recorde e alcançou 15,3 milhões, 20,4% acima de 2018. O turismo de natureza, ecoturismo ou aventura é a segunda maior demanda dos visitantes internacionais, com 16,3% do total. Em primeiro lugar aparecem “praia e sol”, com 71,7%.

— O Brasil tem experiência e um histórico positivo de atuação da iniciativa privada, que segue as regras de preservação ambiental e ajuda a desenvolver os serviços turísticos. A grande questão é o modelo de contrato, que precisa ser técnico. Tirar da lista do PND não significa que o governo perdeu o interesse nas parcerias, até porque existem outras prioridades para os investimentos públicos —afirma a advogada

Fabiane Tessari, coordenadora de biodiversidade e parques da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo.

Marina, do ICMBio, lembra ainda modelos de parceria de sucesso com entidades do terceiro setor, como o Parque Nacional da Serra da Capivara e o das Cavernas do Peruaçu, com o Instituto Ekos, que abriu um fundo para angariar recursos e desenvolver o turismo local.

— Cada parque tem um tipo de solução e a parceria com ONGs é também uma excelente alternativa —diz ela.

Desde que assumiu a concessão dos parques nacionais de Aparados da Serra e Serra Geral, região de cânions entre os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, há um ano e meio, a concessionária Urbia Cânions Verdes investiu em infraestrutura, segurança e serviços de alimentação. Mas a melhoria dos serviços e as opções dentro do parque, sozinhas, não são suficientes para alavancar o turismo.

Fabiano Souza, secretário de Turismo de Cambará do Sul (RS), uma das principais portas de entrada do parque, afirma que foi vendida na região a ideia de retorno econômico rápido, que não ocorreu. As duas principais estradas de acesso ao parque pelo estado ainda são de pedra ou terra, diz ele, ao falar das melhorias que ainda não foram feitas:

— Muito do que foi pensado não aconteceu. Na época da concessão foi vendido um milagre econômico, mas as coisas são muito mais lentas. Sem contar os problemas econômicos, como o preço dos combustíveis e a inflação, que deixam o turismo das famílias em segundo plano.