O Estado de São Paulo, n. 46665, 23/07/2021. Política p.A4

 

Autoridades reagem a ameaça de Braga Netto

 

Integrantes dos três Poderes reagiram ontem às revelações de que o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, disse há 15 dias que não haveria eleição em 2022, caso a proposta de emenda constitucional instituindo o voto impresso não fosse aprovada pelo Congresso. Manifestações em defesa da democracia e das instituições se somaram a uma série de convocações para que o chefe das Forças Armadas preste esclarecimentos.

Como mostrou o Estadão, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), recebeu o recado de Braga Netto, transmitido por um importante interlocutor político – um dirigente partidário – no último dia 8. Num domingo, três dias depois, Lira conversou com o presidente Jair Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, e avisou que não aceitaria qualquer ruptura institucional. Bolsonaro afirmou, então, que nunca havia defendido um golpe. Lira observou que todos os sinais iam nessa direção, uma vez que o próprio Bolsonaro havia dito, no próprio dia 8, a mesma frase: “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”.

Na avaliação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, o sistema eleitoral do País “encontra-se desafiado pela retórica falaciosa, perversa, do populismo autoritário”. Para Fachin, que também é vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não é de se espantar que um “líder populista” deseje “criar suas próprias regras para disputar as eleições”.

O ministro Gilmar Mendes, do STF, afirmou, por sua vez, que “não há espaço para coações autoritárias armadas” nas instituições democráticas. “Os representantes das Forças Armadas devem respeitar os meios institucionais do debate sobre a urna eletrônica. Política é feita com argumentos, contraposição de ideias e, sobretudo, respeito à Constituição. Na nossa democracia, não há espaço para coações autoritárias armadas”, argumentou.

O Estadão apurou que seis dos 11 ministros do Supremo discutiram ontem a redação de uma nota conjunta, em nome da Corte, repudiando ameaças ao processo democrático do País. Mas a nota divulgada por Braga Netto, dizendo que “as Forças Armadas atuam e sempre atuarão dentro dos limites previstos na Constituição (mais informações na pág. A10)”, foi considerada um recuo de qualquer ameaça golpista. Por isso, os ministros resolveram não se pronunciar conjuntamente para não inflamar mais o ambiente político. Mesmo assim, Fachin, Mendes e o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, se manifestaram individualmente.

As ameaças às eleições foram feitas no momento em que o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidera as pesquisas de intenção de voto.

 

Requerimentos. No Congresso, a reação também foi imediata, apesar do recesso parlamentar. O deputado Rogério Correia (PT-MG) apresentou requerimento para que Braga Netto seja chamado a explicar as ameaças. Na mesma linha, o deputado Fábio Trad (PSD-MS) protocolou, junto à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, pedido de convocação imediata de Braga Netto.

Os pedidos de investigação também chegaram ao procurador-geral da República, Augusto Aras. O senador Humberto Costa (PT-PE) enviou ofício para Aras solicitando abertura de processo para apurar as ameaças. Na avaliação de Costa, a ameaça de golpe é “absolutamente escandalosa”.

“Urge a real e verdadeira apuração dos fatos e subsequente punição das personagens ameaçadoras que ousam derrubar o Estado Democrático e de Direito, coagindo a democracia brasileira por mensagens de quarteladas, contra as eleições livres, solapando a democracia aqui urdida por duras batalhas”, escreveu Costa.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), repudiou qualquer tipo de incerteza sobre a realização das eleições no ano que vem. “Seja qual for o modelo, a realização de eleições periódicas, inclusive em 2022, não está em discussão. Isso é inegociável.”

No último dia 9, um dia depois das declarações de Braga Netto, Pacheco chegou a fazer um pronunciamento que chamou a atenção. À época, o presidente do Senado classificou como “inimigo da Nação” quem se apresentava contra a realização das eleições de 2022. “O País não admite retrocessos.”

O vice-presidente Hamilton Mourão contrariou ontem declarações de Bolsonaro e disse ser “lógico” que haverá eleições no Brasil. “O Brasil não é uma republiqueta de bananas”, afirmou Mourão (mais informações na pág. A10). Em live, Bolsonaro não quis comentar as declarações de Braga Netto. “A resposta está na nota dele”, disse. Mesmo assim, o presidente voltou a defender o voto impresso. “Tem que haver eleição. Tem que haver voto. Mas eleição transparente. Não queremos desconfiança.”

O vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), também destacou que é a Constituição Federal que determina a realização de eleições, não as Forças Armadas. Disse ainda que a revelação é importante para que a sociedade e os Poderes possam reagir a “tamanha insensatez”. “Numa democracia não são os militares que dizem se tem e como tem eleição. Quem faz é a Constituição Federal. O presidente Arthur Lira já demarcou que está ao lado da democracia e da Constituição. A publicidade do fato é importante pra sociedade.”

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) cobrou a exoneração do ministro da Defesa. “A democracia brasileira é alvo de uma gravíssima ameaça, agora revelada. Ameaça armada, tentativa de amedrontar pelo terror. Braga Netto se revela: foi colocado onde está exatamente para isso, para ameaçar as instituições democráticas”, disse Renan, que é relator da CPI da Covid./ CAMILA TURTELLI, WESLLEY GALZO, LAURIBERTO POMPEU e CASSIA MIRANDA