O Estado de São Paulo, n. 46665, 23/07/2021. Economia p.B1
Bolo tributário. Confederação Nacional dos Municípios estima perda de R$ 13,1 bilhões, e Arthur Lira tenta evitar que a articulação dos prefeitos junto aos deputados de suas regiões acabe gerando um movimento capaz de barrar a votação às vésperas de ano eleitoral
Adriana Fernandes
O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), cobrou do relator da reforma do Imposto de Renda, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), uma saída para contornar a insatisfação de prefeitos à proposta. O objetivo é que o texto seja votado em agosto, logo depois do fim do recesso parlamentar.
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estima uma perda de R$ 13,1 bilhões com o parecer do relator e diz que prepara a divulgação de uma lista com a perda de arrecadação estimada para cada um dos 5.570 municípios brasileiros, caso o texto seja mantido como está.
Entre outras medidas, o parecer estabelece uma redução de 25% para 12,5% da alíquota do Imposto de Renda das empresas, com impacto sobre a receita repassada aos governos regionais. Pela Constituição, a arrecadação com o IR tem de ser obrigatoriamente compartilhada com municípios (que ficam com 24,5% da receita total) e com os Estados (que têm direito a outros 21,5%).
A preocupação do presidente da Câmara é de que os prefeitos, que têm uma articulação muito azeitada com os deputados federais, acabem gerando um movimento para barrar a votação às vésperas de ano eleitoral.
A conversa entre Lira e Sabino, que ocorreu esta semana, já começou a dar resultados. Ontem, o relator acenou com mudanças para evitar que os prefeitos e os governadores tenham perdas com a mudança no IR.
Como mostrou o Estadão, dos R$ 30 bilhões de perda prevista na arrecadação com a reforma, R$ 27,4 bilhões sairão dos cofres estaduais e municipais.
Em live organizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Sabino disse que deve incluir no projeto um dispositivo para proteger os Estados e municípios de eventuais perdas em repasses federais, uma espécie de seguro – ou "um hedge", nas palavras do relator –, para que nenhum governo tenha prejuízo com a eventual queda de arrecadação dos fundos de participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM).
Além de o parecer contar com uma queda de R$ 30 bilhões de receitas sem compensação, boa parte do corte de renúncias previsto para contrabalançar as perdas envolve incentivos dados em tributos que não são divididos com os Estados e os municípios.
"Nós respeitamos muito o bom diálogo com o presidente da Câmara e temos de manter, mas nesse projeto, tecnicamente, constatamos que há uma perda substancial na arrecadação do fundo de participações. Não podemos concordar", disse o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski. Ele se ressente de a entidade não ter sido chamada até agora para conversar com o relator.
Ziulkoski diz que a proposta faz o contrário do que costuma pregar o ministro da Economia, Paulo Guedes, de "Menos Brasília e mais Brasil", uma referência a uma maior repartição de recursos da União com os governos regionais. Ele sugeriu que se tributem mais os lucros e dividendos para compensar a perda com a redução do IR das empresas.
CSLL. O diretor institucional do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz), André Horta, afirma que seria fácil o relator resolver o problema. Segundo ele, bastaria transferir parte da redução que ele pretende fazer com o IR para a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), tributo que também incide sobre o lucro das empresas, mas cuja arrecadação não é dividida com Estados e municípios – fica tudo com a União. Por exemplo, a alíquota atual da CSLL cairia de 9% para 5%, reposicionando o IRPJ com uma queda menor.
Horta também defende a reversão da possibilidade de isenção de distribuição de lucros entre empresas coligadas, medida que foi antecipada pelo relator em entrevista ao Estadão publicada no domingo passado. "Assim, se chega lá", sugeriu. Para ele, reposicionar as alterações para a CSLL conferiria uma constitucionalidade ao projeto em dois aspectos: tanto na preservação do pacto federativo quanto do princípio da capacidade contributiva (da progressividade, ou seja, aumentar o tributo dos mais ricos). "A CSSL é um tributo não compartilhado com os demais entes, então as alterações desse tributo num projeto da União não ofendem o pacto federativo", avaliou.
Horta considera importante o aceno do relator porque permitiria retornar a discussão aos "trilhos da constitucionalidade", evitando, segundo ele, discussões jurídicas posteriores de Estados e municípios que poderiam perder arrecadação.
O Comsefaz divulgou na semana passada uma carta na qual diz que a reforma do IR deveria ser rejeitada completamente. O relator respondeu com uma lista de medidas feitas durante o governo Bolsonaro que aumentaram os repasses para os governos regionais, sobretudo durante a pandemia da covid-19. Na ocasião, Sabino disse que todos ganhariam porque a arrecadação iria aumentar mais como resultado do impacto da queda mais acentuada do imposto para as empresas.
Guedes. "Somos federalistas, queremos ajudar Estados e municípios, mas não pode haver abusos", disse ontem o ministro da Economia, ao falar sobre a resistência dos prefeitos e governadores à reforma. Segundo o ministro, a conversa com os governos regionais "não é tão suave".
"Teria sido grande equívoco entrar na tal reforma tributária ampla. Não seria aceita por 5 mil prefeitos", disse. De acordo com ele, o apoio de governadores só teria sido conquistado ao custo da criação de um fundo de R$ 500 bilhões para compensar Estados por eventuais perdas – um "abuso", em sua avaliação. / COLABORARAM ANNE WARTH, EDUARDO LAGUNA E FRANCISCO CARLOS DE ASSIS
Reclamação
"Respeitamos o bom diálogo com o presidente da Câmara, mas nesse projeto tecnicamente constatamos que há uma perda substancial na arrecadação do fundo de participações. Não podemos concordar."
Paulo Ziulkoski
PRESIDENTE DA CNM
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Pressionado a rever medida incluída na reforma do IR, ministro afirma não querer 'atingir a classe média'
Anne Warth
Eduardo Laguna
Francisco Carlos de Assis
Revisão. O relator, Celso Sabino, estuda tabela progressiva
O ministro da Economia, Paulo Guedes, sinalizou ontem que aceita negociar proposta para elevar o teto de isenção na tributação de lucros e dividendos, com o objetivo de não prejudicar profissionais liberais e a classe média.
O texto da reforma do Imposto de Renda enviada pelo governo prevê a volta da taxação com uma alíquota de 20% e um teto de isenção de R$ 20 mil para acionistas de pequenas e médias empresas. "Se precisar subir mais um pouquinho, sobe mais um pouco. Não quero mexer com dentista, médico, profissional liberal, não queremos atingir a classe média, nada disso. Queremos tributar os mais afluentes e desonerar as empresas e assalariados", afirmou Guedes, em evento promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
Essa não deve ser a única mudança na tributação de lucros e dividendos – hoje isentos de imposto. Além do aumento do teto, o relator na Câmara, Celso Sabino (PSDB-PA), disse ao Estadão que estuda mudanças e até uma tabela progressiva (ou seja, alíquotas diferentes, a depender do valor recebido). Nesse caso, a alíquota máxima poderia ser até maior do que os 20% originalmente propostos.
Guedes voltou a dizer que a primeira versão da reforma do IR, alvo de críticas por parte do empresariado, tinha erros na calibragem de alíquotas. "Não temos compromisso com o erro", disse ele, sugerindo que a culpa seria da equipe da Receita Federal pela proposta – segundo ele, uma "máquina treinada para arrecadar".
O ministro voltou a insistir na ideia de criação de um imposto sobre transações, nos moldes da antiga CPMF, como forma de desonerar as empresas de encargos sobre a folha de pagamentos – que representam, na avaliação dele, uma "arma de destruição em massa de empregos". "A hipocrisia de se esconder atrás do pobre é prática no Brasil. Foi o que aconteceu com o imposto sobre transações. Se todo mundo pagasse imposto de transação, desoneraríamos a folha."
Para ele, os encargos trabalhistas, em conjunto com o IPI, são um dos motivos da desindustrialização do Brasil.
Novo ministério. Mais cedo, o ministro da Economia comentou a indicação de Onyx Lorenzoni (DEM-RS) para o novo Ministério do Emprego e Previdência Social (ler mais na pág. B3), que será recriado na reformulação do gabinete que está sendo preparada pelo governo para acomodar aliados políticos do Centrão. A área, até então, estava sob o comando de Guedes, incorporada ao Ministério da Economia. Guedes disse ainda que não acredita em reação ruim do mercado à reforma ministerial.
Ele ressaltou que o desmembramento do superministério e a recriação do Ministério do Emprego e Previdência Social não vão mudar os rumos da política econômica e a orientação liberal da equipe. "O programa de reforma tem de seguir. Conversei várias vezes com o presidente (Jair Bolsonaro) sobre pressões por ministérios, sempre nos entendemos." / COLABOROU LORENNA RODRIGUES
'Um pouquinho'
"Se precisar subir mais um pouquinho (o limite de isenção), sobe mais um pouco. Não quero mexer com dentista, médico, profissional liberal, não queremos atingir a classe média, nada disso."
Paulo Guedes
MINISTRO DA ECONOMIA