O Globo, n. 32762, 19/04/2023. Brasil, p. 9

Pacote preventivo

Alice Cravo
Paula Ferreira


O governo federal anunciou ontem uma série de ações para a segurança e a proteção das escolas. O pacote é uma resposta ao impacto de ações violentas em que quatro crianças foram mortas em uma creche em Blumenau (SC) e uma professora foi assassinada por um aluno em São Paulo, o que gerou a preocupação de mais ataques a unidades de ensino. O ministro da Educação, Camilo Santana, que lidera um grupo formado para tratar do problema, afirmou que o governo vai orientar as redes por meio de uma cartilha sobre como lidar emergencialmente com o problema, além de disponibilizar aos estados e municípios R$ 3,1 bilhões para a infraestrutura das instituições de ensino.

Para discutir o problema, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com ministros do grupo de trabalho, se reuniu com a presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, 26 governadores e seis prefeitos.

Entre as principais medidas, está uma cartilha com recomendações para a segurança nas escolas, que será usada a partir da semana que vem em uma formação dirigida à comunidade escolar. A cartilha sugere que as escolas criem um plano de ação para situações de violência e implementem espaços de acolhimento e inclusão nos estabelecimentos de ensino.

Como O GLOBO antecipou, o MEC vai formar profissionais de educação para lidar com o problema pela plataforma Avamec a partir do dia 24 de abril.

Haverá um programa de fomento à implantação de ações como investimento em infraestrutura, em equipamentos e na implantação de núcleos de apoio psicossocial nas escolas. O governo detalhou de onde sairão os R$ 3,1 bilhões destinados a ações de segurança. A maior parte desse recurso é antecipação de valores já existentes, como a do Programa Dinheiro Direto na Escola, que terá a segunda parcela, de R$ 1,097 bilhão, programada para ser paga em setembro, antecipada neste mês. Outro R$ 1,8 bilhão do programa, relativo a anos anteriores e que estava parado, poderá ser utilizado dessa forma. Serão reservados também R$ 200 milhões do Programa de Ações Articuladas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

— Vamos deixar claro que esse recurso poderá ser gasto em investimento para a melhoria na proteção e na segurança nas escolas — afirmou o ministro da Educação, Camilo Santana.

O ministro anunciou um edital dirigido a a instituições de ensino superior para um programa de formação voltado à proteção das escolas. O ministro da Justiça, Flávio Dino, lançou um edital de R$ 150 milhões para fomento às rondas escolares. E disponibilizou outros R$ 100 milhões para guardas municipais.

Dino afirmou na reunião que 765 perfis já foram removidos ou suspensos das redes sociais sob suspeita de incentivar ataques a escolas na Operação Escola Segura. De acordo com o ministro, 225 pessoas foram detidas na operação, entre adultos e adolescentes. Além disso, 694 adolescentes suspeitos foram intimados a prestar depoimento.

Críticas às redes sociais

O presidente Lula afirmou que a segurança nas escolas ruiu pela ação de grupos criminosos nas redes sociais. Lula defendeu que os estabelecimentos de ensino não podem ser transformados em prisões, referindo-se à instalação de equipamentos de segurança como detectores de metal:

— Não vamos transformar as nossas escolas em uma prisão de segurança máxima, que não tem solução. Não tem dinheiro para isso, nem é politicamente correto, humanamente correto, socialmente correto. Se a gente tentar fazer isso, a gente está dando uma demonstração de que não servimos para muita coisa, porque nós não sabemos resolver o problema real.

O presidente destacou que é preciso participação dos pais no processo.

— Quando uma criança acha que uma arma é a solução, por que ela acha? Ela viu na Bíblia? Não. No livro escolar? Não. Ela ouviu do pai ou da mãe dentro de casa. A gente precisa ter em conta que, sem a participação dos pais, não recupera um processo educacional correto —afirmou o presidente Lula, completando em outro momento:

— Não vamos resolver esse problema com dinheiro, elevando o muro da escola, colocando detector de metais. Fico imaginando crianças sendo revistadas nas escolas. Como seria patético para os pais, para o prefeito, governador, presidente e instituições uma criança de 8 anos ser rastreada.

Lula insistiu no papel das redes sociais na disseminação da violência.

— Estamos diante de um fato novo, porque a violência existe na nossa vida desde que a gente nasceu. O fato novo é que invadiram o lugar que para nós é tido como lugar de segurança. Toda mãe, quando leva o filho para uma escola ou creche e deixa o filho lá, tem certeza de que o filho está seguro. Isso ruiu porque temos um instrumento avassalador — disse o presidente, em menção às redes sociais.

O presidente afirmou que quer encontrar soluções para o problema em parceria com governadores, prefeitos e os chefes dos outros poderes da República.

Alexandre de Moraes ressaltou as similaridades entre as agressões nas escolas incentivadas pelas redes sociais e os ataques golpistas de 8 de janeiro e contra urnas eletrônicas:

— O modus operandi dessas agressões instrumentalizadas, divulgadas, incentivadas pelas redes sociais em relação às escolas é exatamente idêntico ao utilizado contra as urnas, a democracia, o utilizado para o dia 8 de janeiro. As redes sociais se sentem terra de ninguém, terra sem lei. Precisamos regulamentar isso. Se não houver uma autorregulação e regulamentação em alguns modelos a serem seguidos, vamos continuar a ver esses ataques às escolas. Devemos determinar que o que não pode ser feito na vida real não pode no mundo virtual. É simples, se aplicarmos a legislação.

O presidente do TSE reclamou que as plataformas digitais não podem alegar ser “meros depósitos de informação” para não serem responsabilizadas.

— No mundo real, se cada um de nós tem um depósito e aluga, não pode ser responsabilizado se a pessoa lá usa droga, contrabando, coloca alguém sequestrado, porque você não sabe. A partir do momento em que você sabe e renova o contrato, pode ser penalizado. Se você sabe, renova o contrato e ainda monetiza, tem a obrigação de ser responsabilizado. As redes ganham em cima desse incentivo à violência, ao discurso de ódio. Isso precisa cessar.

As principais medidas

Cartilha

O governo elaborou a cartilha de Recomendações para Proteção e Segurança no Ambiente Escolar. A partir da próxima semana, será promovida uma formação com a comunidade escolar para a implementação das recomendações.

Formação de professores

O MEC vai oferecer formação sobre o tema a profissionais da educação por meio da educação a distância a partir de 24 de abril.

Recursos antecipados

Haverá um programa de fomento à implantação de ações integradas de proteção das escolas, como infraestrutura, equipamentos, formação e apoio para a implantação dos núcleos de apoio psicossocial nas escolas.

Editais de fomento

Será lançado um edital dirigido a instituições de ensino superior para a formação e desenvolvimento profissional voltado à proteção no ambiente escolar. Foi lançado um edital de R$ 150 milhões para fomento às rondas escolares.

Parceria com CNJ

O governo estabeleceu uma parceira com o CNJ para ações de Justiça Restaurativa no ambiente escolar.

Canais de denúncia

O Ministério da Justiça criou canais de denúncias pelo WhatsApp e pelo site do ministério para o Operação Escola Segura.

Comunicação e saúde

Lançada a Campanha Nacional de Sensibilização e Orientação para Proteção no Ambiente Escolar. Haverá a liberação de R$ 90 milhões em Assistência Primária a Saúde para municípios que aderiram ao Programa Saúde na Escola.