O Estado de S. Paulo, n. 46652, 10/07/2021. Política, p. A4

Análise: Instituições colocam impeachment no radar

Marcelo de Moraes


Ataques do presidente Jair Bolsonaro à democracia não são exatamente uma novidade, desde que ele passou a ocupar o Palácio do Planalto. Mas, até mesmo para os padrões do presidente, a ameaça de não haver eleições em 2022 e os ataques feitos ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Luís Roberto Barroso ultrapassaram o nível de bravata e foram considerados preocupantes pelos principais líderes dos Poderes Legislativo e Judiciário. Especialmente, por terem vindo ao mesmo tempo em que as Forças Armadas emitiram uma nota criticando o presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM). Antes que as ameaças à democracia se tornassem incontornáveis, as instituições colocaram a carta do impeachment na mesa de jogo.

Quando Barroso solta uma nota oficial dizendo, com todas as letras, que qualquer tentativa de impedir que as próximas eleições ocorram “viola princípios constitucionais e configura crime de responsabilidade”, ele está sendo claríssimo. Porque crime de responsabilidade é motivo para abertura de processo de impeachment do presidente. O mesmo termo foi repetido por outro ministro do STF, Alexandre de Moraes, que comandará o TSE em 2022, justamente no período eleitoral. Moraes reforçou o recado contra Bolsonaro, falando que “os brasileiros podem confiar nas instituições, na certeza de que, soberanamente, escolherão seus dirigentes nas eleições de 2022, com liberdade e sigilo do voto. Não serão admitidos atos contra a Democracia e o Estado de Direito, por configurar crimes comum e de responsabilidade”. Ou seja, para dois ministros do STF, o crime de responsabilidade se evidencia com a ameaça feita às eleições.

Por mais que ainda tenha poder e orçamento para ainda manter o apoio do Centrão para ajudá-lo dentro do Congresso, Bolsonaro sabe que os ventos da política podem mudar rapidamente essa situação e afetar sua blindagem contra um eventual pedido de impeachment. Se fosse só a pressão interna no Congresso, o presidente teria uma margem mais confortável para manobrar. Com Judiciário e Legislativo atuando e, em conjunto, o jogo é muito mais complicado – o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), também condenou os ataques feitos pelo presidente e defendeu os princípios democráticos. Assim, o sistema de freios e contrapesos entrou em ação para conter o presidente da República em mais um flerte com uma virada de mesa política colocando em risco o processo democrático do País. Num momento em que acabou de ser apresentado um “superpedido de impeachment” na Câmara, Bolsonaro sabe que o risco de perder o mandato pode se tornar realidade se fizer o movimento errado.

Repórter Especial do 'Estadão'