O Globo, n. 32762, 19/04/2023. Política, p. 6

STF avança para tornar golpistas réus, e PF prende 13

Eduardo Gonçalves
Daniel Gullino


O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou por tornar réus os primeiros cem golpistas denunciados pela Procuradoria-Geral da República pela participação nos atos de 8 de janeiro, em Brasília. O voto dele foi acompanhado por Dias Toffoli, e os demais ministros têm até o dia 24 para depositarem suas decisões no plenário virtual da Corte. Horas após a abertura da votação, iniciada à meia-noite de ontem, a Polícia Federal deflagrou uma nova fase da Operação Lesa Pátria para identificar e levantar provas contra os responsáveis pela depredação dos prédios dos três Poderes. Até o fim do dia, os agentes haviam cumprido 13 mandados de prisão em sete estados e no Distrito Federal. Entre os alvos estão um tenente-coronel da reserva da Aeronáutica e um coronel da Polícia Militar de Goiás —há também quatro integrantes do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Relator dos inquéritos sobre os atos golpistas, Moraes apresentou um voto para cada uma das cem pessoas, todas presas —a apreciação sobre a manutenção ou não das prisões será feita em outro momento. Se as denúncias forem aceitas, haverá coleta de provas e depoimentos de testemunhas de defesa e acusação. Depois, o STF ainda terá que julgar se condena ou absolve os acusados, o que não tem prazo para ocorrer.

A análise das primeiras denúncias ocorre exatamente cem dias após os ataques no DF por radicais bolsonaristas, provocando um prejuízo de R$ 26,2 milhões.

No STF, tramitam dois inquéritos diferentes, um com foco nos “executores” dos atos, ou seja, quem participou diretamente da depredação. Os investigados, neste caso, foram acusados pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e associação criminosa.

Moraes destacou que as condutas dos denunciados são gravíssimas e que tentar destruir a democracia afronta a Constituição: “Tanto são inconstitucionais as condutas e manifestações que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático, quanto aquelas que pretendam destruí-lo, juntamente com suas instituições republicanas, pregando a violência, o arbítrio, o desrespeito à Separação de Poderes e aos direitos fundamentais”.

“Insuflando animosidade”

O outro inquérito trata dos incitadores dos atos golpistas. As pessoas que já foram denunciadas nessa investigação estavam acampadas no QuartelGeneral do Exército, em Brasília, e foram acusadas de incitação ao crime e associação criminosa.

Ao analisar o caso de uma pessoa presa no QG, Moraes afirmou que “a denunciada associou-se, por intermédio de uma estável e permanente estrutura montada em frente ao Quartel-General do Exército Brasileiro sediado na capital do país, aos desideratos criminosos dos outros coautores, no intuito de modificar abruptamente o regime vigente e o Estado de Direito, a insuflar ‘as Forças Armadas à tomada do poder’ e a população, à subversão da ordem política e social, gerando, ainda, animosidades entre as Forças Armadas e as instituições republicanas”.

Em seu voto, o relator rejeitou algumas das alegações da defesa dos acusados. Uma delas é que as denúncias foram genéricas e que a conduta de que cada investigado não foi identificada corretamente.

De 8 de janeiro até hoje, a PGR já denunciou 1.390 pessoas por atos antidemocráticos, sendo 239 no núcleo dos executores, 1.150 no núcleo dos incitadores e uma pessoa no núcleo que investiga suposta omissão de agentes públicos.

Na semana passada, a presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, afirmou que a próxima leva de denúncias já deve ser colocada para julgamento na sequência destas primeiras cem.

Investigação da AGU aponta 52 pessoas e sete empresas que devem ter os bens bloqueados por patrocinarem viagens de golpistas

De acordo com a PF, ontem, além das prisões preventivas, foram cumpridos 22 mandados de busca e apreensão em Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo e no Distrito Federal. Suspeitos de participar, financiar, omitir ou fomentar os atos golpistas, os alvos da operação serão investigados pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, associação criminosa, incitação ao crime, destruição e deterioração ou inutilização de bem especialmente protegido.

Quatro integrantes do PL foram detidos: Três deles (Aline Leal Bastos Morais de Barros, Claudebir Beatriz Da Silva Campos e Benito Franco) foram candidatos na eleição do ano passado, e outro é o presidente do diretório municipal do PL de Monte Azul (MG), Silvio de Melo Rocha.

Além da carreira política, Benito Franco é coronel da Polícia Militar de Goiás e foi comandante do batalhão de Rondas Ostensivas

Tática Metropolitana (Rotam). Ele já era alvo de um processo interno na corregedoria da corporação por ter gravado um vídeo, em dezembro de 2022, dizendo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tomaria posse. Outro militar preso é o tenente-coronel Euro Brasílico Vieira Magalhães Magalhães, suspeito de participar da invasão ao Congresso e convocar a população a uma “guerra civil”. Ele tem um canal no Youtube que mostra vídeos do que chamou de “tomada do Congresso” e, 8 de janeiro. As defesas dos alvos da PF não foram encontradas para comentar.