Correio Braziliense, n. 21537, 05/03/2022. Mundo, p. 4

Brasil sem fertilizante russo

Cristiane Noberto
Deborah Cardoso


O agronegócio brasileiro tomou ontem um novo golpe. O Ministério do Comércio e Indústria da Rússia recomendou, ontem, a suspensão temporária de todas as exportações de fertilizantes para o mundo, o que acerta em cheio o Brasil, pois quase 25% desses produtos consumidos no país vêm de lá.

"O ministério teve que recomendar aos produtores russos que suspendam temporariamente os embarques de exportação de fertilizantes russos até que as transportadoras retomem o trabalho rítmico e forneçam garantias de que as exportações de fertilizantes russos serão totalmente concluídas", diz a nota da pasta russa.

Cerca de 85% dos adubos no Brasil são importados, o que torna o país o quarto maior consumidor do insumo no mundo. O número corresponde a aproximadamente 60% do volume negociado entre Brasil e Moscou, em 2021. O governo brasileiro afirma que o país possui estoque para mais três meses, o que é reforçado por associações do agro no país. Contudo, o posicionamento russo foi mal recebido por empresários do setor.

Azael Pizolato, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de São Paulo (Aprosoja-SP), afirma que a situação pode ser catastrófica. "Pouca gente iniciou essa compra, e se as coisas não se normalizarem, a situação pode ficar bem complicada. Existe uma reserva no solo e é permitido que se reduza a dosagem de adubo e consiga colher uma boa safra sem adubo. Agora, nas áreas de expansão, vai ser um cenário bem crítico, porque se a gente não adubar, não tem produção. Isso, somado à quebra da economia na América do Sul, plantação da Ucrânia e safra nos Estados Unidos, é catastrófico", afirmou.

Com a notícia, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) buscou afastar as preocupações e afirmou que a empresa russa Acron enviou, ontem, um carregamento dos insumos ao Brasil. A pasta afirmou que, apesar de a Rússia ter suspendido o envio dos produtos, "se trata de uma recomendação do governo russo que, a princípio, não está afetando ainda o comércio de fertilizantes para o Brasil". O ministério, no entanto, não informou a quantidade de fertilizantes nem quando os produtos chegarão ao Brasil.

Paralisação

Nesta semana, os transportes marítimos responsáveis por enviar as remessas internacionais decidiram paralisar os contêineres devido aos ataques da Rússia na Ucrânia. No comunicado, o Kremlin alerta que as falhas terão "impacto direto na segurança nacional em vários países" e que poderão "causar séria escassez de alimentos para centenas de milhões de pessoas já no médio prazo".

Ainda que as safras deste momento estejam asseguradas, o grande problema está na safra de outubro, pois a maioria dos produtores não se programou para a situação. O presidente da Aprosoja-SP destacou que não seria do feitio dos agricultores se resguardar por tanto tempo, haja visto aspectos como armazenamento, valores e logística. Além disso, o foco precisa ser no planejamento. "Pensar na auto-suficiência que é mais importante", disse.

Em entrevista ao CB.Agro — parceria do Correio com a TV Brasília —, o diretor de programas do Mapa, Luiz Eduardo Rangel, afirmou que o Brasil trabalha no novo Plano Nacional de Fertilizantes, que será lançado no final deste mês. Contudo, o projeto visa mudanças ao longo de vários ciclos, de quatro anos cada, com o objetivo de se alinhar aos pormenores de cada governo. Portanto, os resultados só devem ser visíveis a longo prazo.

"Propor um horizonte de 30 anos significa que nós vamos passar por vários governos, de diferentes ideologias. E a ideia do plano é que ele fosse, de fato, comum a todos os interesses, o interesse nacional", ressaltou.