Título: Drenagem espalha a poluição
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Fonte: Jornal do Brasil, 07/09/2005, Internacional, p. A12
Longe de ser solução, a drenagem das águas de Nova Orleans, possibilitada pelo conserto de um dos diques, criou um novo e grave problema. A fermentação do lixo químico e humano na enchente está sendo jogada no rio Mississippi e no lago Pontchartrain, aumentando o espectro do desastre natural causado pelo Katrina. Entre outras coisas, pode matar os peixes e envenenar os delicados pântanos perto de Nova Orleans e do Golfo do México.
Autoridades mal começaram a fazer testes, mas já alertam que a sopa química estagnada na Big Easy - como a cidade é conhecida - vai conter traços de todas as substâncias imagináveis.
- Identifique todas as químicas que se tem dentro de casa. A lista é longa - afirma Ivor van Heerden, chefe do centro de estudos de impacto ambiental de furacões, na Louisiana State University (LSU). - E não são só essas. Muita coisas que havia nas usinas industriais vazou.
A lista inclui gasolina, diesel, anti-congelantes, água oxigenada, dejetos humanos, ácidos, álcoois e várias outras substâncias varridas de residências, fábricas, refinarias e hospitais.
Em Metairie, Leste de Nova Orleans, a inundação tem cor turva, como chá, e cheira a enxofre queimado. Um fino filme de óleo é visto. Quem a atravessou afirma que a visibilidade na água é de 4 cms. Segundo especialistas, quanto mais tempo a água ficar nas ruas, maior a chance de que tanques químicos e de combustíveis se rompam. A drenagem deve levar 80 dias. Para piorar, análises da prefeitura revelaram ontem que a enchente está contaminada com a bactéria Escherichia Coli , que cresce em meio a dejetos humanos, provoca diarréia e pode levar à morte.
- Nada é seguro aqui. Os mosquitos picam os cadáveres e voltam a voar - acrescenta o prefeito, Ray Nagin, lembrando ainda de que fluidos corporais provenientes da decomposição dos cadáveres se incluem na água.
Van Heerden e Rodney Mallett, do Departamento da Qualidade do Meio Ambiente da Lousiana, disseram não ter alternativa se não jogar tudo no Pontchartrain ou no rio Mississippi - cuja foz é zona de procriação e desova para animais como a tartaruga.
- Ao mesmo tempo, não sei como tratar de toda essa água - lamenta Mallett.
O resultado pode ser um segundo desastre, afirma o químico Harold Zeliger.
- Vai matar toda a vida no ambiente aquático - declara.
Filtrar tudo iria requerer tempo e a construção de grandes barragens de decantação. Algo impossível, diante da pressão pública para que a enchente acabe em Nova Orleans.
- Não estamos felizes. Mas pelo bem da civilização e de nossas vidas, o melhor é bombear a água, diz Mallet. A inundação deixará um lodo tóxico, tornando as casas irrecuperáveis.
- Se metade de um prédio está sob a água, a parte submersa está tomada de lodo. E quando secar, o resto também será dos fungos e bactérias. A maioria dos prédios de Nova Orleans terá que ser destruída - afirma Zeliger.