O Estado de São Paulo, n. 46671, 29/07/2021. Política p.A12

 

Pré-candidatos rejeitam debate de sistema de governo


Presidenciáveis resistem à discussão sobre semipresidencialismo e dizem que mudança não é adequada no contexto político do País

Cássia Miranda

 

Embora tenha ganho aceitação e apoio nos meios políticos, a discussão sobre uma mudança do sistema de governo para o semipresidencialismo encontra resistência entre os pré-candidatos à Presidência. Pensada para valer a partir de 2026, uma eventual mudança poderá afetar diretamente o presidente eleito nas eleições de 2022. Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Luiz Henrique Mandetta (DEM) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) são consensuais em afirmar que o debate não é adequado ao contexto político atual do País. Simone Tebet (MDB-MS) também criticou a discussão no momento atual.

A proposta foi apresentada pelo ex-presidente Michel Temer. No semipresidencialismo, o presidente eleito pela população divide o governo com o primeiroministro. Este sistema híbrido de governo ocorre em países como Portugal e França. O debate sobre o novo modelo ganhou força em meio a uma articulação do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL). Como mostrou o Estadão, uma minuta do texto foi discutida em reunião de líderes partidários, no dia 13.

A proposta de emenda à Constituição (PEC) é de autoria do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP). O objetivo, segundo ele, seria melhorar a governança em um sistema que classificou como "comprovadamente falido". "Tem dificuldades de transparência, de resolução de crises, de estabilidade política e isso está comprovado na medida em que depois da redemocratização, dos cinco presidentes que foram eleitos, dois sofreram impeachment e há um agora com mais de cem pedidos", afirmou. O sistema semipresidencialista, diz, deixaria claro, por exemplo, quais partidos participariam do governo.

O tema, que não é novo, ressurge no momento em que o presidente Jair Bolsonaro está pressionado por manifestações de rua e por mais de cem pedidos de impeachment. Defensores do tema alegam que o modelo dá mais estabilidade ao País. Até agora, o presidente não se pronunciou sobre o assunto.

O governador paulista João Doria, que está em campanha nas prévias no PSDB, defende que qualquer mudança eleitoral deve ser feita "num clima mais pacificado", e que a "véspera" eleitoral não é o momento para uma mudança como esta. "Defendo uma ampla reforma política estrutural. Essa, sim, precisa ser discutida num clima mais pacificado do que encontramos hoje no País", afirmou.

Ciro Gomes afirmou que o semipresidencialismo é um "disfarce oportunista" e "uma mistificação conceitual". Ele considera "louvável", porém, o parlamentarismo. "O parlamentarismo verdadeiro é um sistema louvável, baseado na responsabilidade parlamentar com a sanidade econômica e a regularidade dos servidores públicos", disse. Embora considere o parlamentarismo "um antídoto contra a 'cleptocracia' que nos comanda há anos", Ciro rejeita falar em troca de sistema "a um ano de um pleito presidencial".

Também defensor do sistema parlamentarista, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), pré-candidato nas prévias tucanas, afirmou em abril ao site O Antagonista considerar que "está na hora" de falar em parlamentarismo no Brasil. Ele não foi localizado ontem.

Questionado sobre o tema no debate da série Primárias realizado pelo Centro de Liderança Pública (CLP), em parceria com o Estadão, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite – que também deve disputar as prévias do PSDB – afirmou que é defensor do parlamentarismo, assim como o seu partido. Leite, no entanto, disse considerar que é necessário "um caminho mais longo" para se migrar para um sistema parlamentarista.

Lula, que lidera as pesquisas de intenção de voto, disse que a proposta é "outro golpe" em entrevista à rádio Jovem Pan na semana passada. "Semipresidencialismo é outro golpe para tentar evitar que nós possamos ganhar as eleições", afirmou. "Não dá pra brincar de reforma política, isso é coisa que tem que ser discutida com muita seriedade."

Mandetta afirmou que ainda não teve acesso ao texto da proposta, mas que "uma discussão mais profunda tem que ser feita em melhor ambiente". Perguntado sobre se o debate do semipresidencialismo ganhou força em Brasília como estratégia de Lira contra a discussão sobre o impeachment, Mandetta disse que "governos fracos propiciam este tipo de fala".

A senadora Simone Tebet, apontada como pré-candidata pelo MDB, disse ter dúvidas se o modelo seria benéfico. "Com esse Congresso, minha dúvida é se isso melhoraria ou pioraria a representatividade popular e a gestão, a relação do Poder Executivo com o Legislativo, até no que se refere à estabilidade", disse. 

 

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Aras nomeia Gonet como vice-procurador-geral Eleitoral


Ele substitui Brill de Goes, que pediu dispensa após representação contra Bolsonaro por propaganda antecipada

 

Pepita Ortega

Fausto Macedo

 

O procurador-geral da República, Augusto Aras, designou o subprocurador-geral Paulo Gonet Branco para atuar como seu número dois perante o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Ele vai suceder a Renato Brill de Góes, que pediu dispensa após apresentar ao TSE representação contra o presidente Jair Bolsonaro por propaganda eleitoral antecipada e conduta vedada a agente público.

Gonet vai deixar a diretoriageral da Escola Superior do Ministério Público da União para assumir o cargo de vice-procurador-geral Eleitoral em meio à escalada de acusações e ameaças de Bolsonaro à realização das eleições 2022. Os ataques de presidente à urna eletrônica foram ainda encampados por outros integrantes do governo, entre eles o ministro da Defesa, Braga Netto. No início do mês, em recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al), o general condicionou a realização das eleições à aprovação da PEC que institui o voto impresso no País, como revelou o Estadão.

Dentro do Ministério Público a pressão vem crescendo por uma resposta sobre as ameaças de Bolsonaro e aliados às eleições. Oito ex-procuradores-gerais eleitorais divulgaram "testemunho em defesa da verdade e do sistema eleitoral brasileiro". Depois do movimento, cinco dos onze integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal encaminharam um documento a Aras, acionando-o, na condição de procurador-geral Eleitoral, para que investigue Bolsonaro pelo crime de abuso de poder de autoridade nos ataques ao sistema eleitoral. Dentre os signatários do documento estão os três subprocuradores-gerais que compuseram a lista tríplice de indicados da instituição ao cargo de procurador-geral da República – tradição ignorada pela segunda vez por Bolsonaro ao propor a recondução de Aras.

 

Currículo. Gonet é doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UNB) e mestre em Direitos Humanos pela University of Essex (Reino Unido). Ingressou no Ministério Público Federal em 1987, tendo atuado como procurador regional Eleitoral substituto, secretário de Assuntos Constitucionais da PGR e representante do MPF na Segunda Turma do Supremo.

Ex-sócio do ministro do STF Gilmar Mendes no Instituto Brasiliense de Direito Público, Gonet foi cotado para assumir a Procuradoria-geral da República como sucessor de Raquel Dodge. Em 2019, Bolsonaro o recebeu no Palácio do Planalto, em um encontro articulado pela deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF). Gonet, no entanto, foi preterido pelo presidente, que escolheu Aras para a chefia do Ministério Público.