Correio Braziliense, n. 21537, 05/03/2022. Mundo, p. 3

Um problema a 10 mil quilômetros daqui
Ingrid Soares


A despeito do voto brasileiro no Conselho de Direitos Humanos da ONU, o presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a defender, ontem, uma postura de "isenção" e de "respeito a todos" em relação à guerra na Ucrânia. "O Brasil não mergulhará em uma aventura", dissem durante cerimônia de início do novo contrato das rodovias Presidente Dutra e Rio-Santos, em São José dos Campos (SP).

"Hoje, temos um problema a 10 mil quilômetros daqui. E a nossa responsabilidade, em primeiro lugar, é com o bem-estar do nosso povo. A nossa postura tem mostrado ao mundo como estamos agindo neste episódio. Estamos conectados com o mundo todo. E o equilíbrio, a isenção e o respeito a todos se faz valer pelo chefe do Executivo", assinalou.

"O Brasil tem o seu caminho, respeita a liberdade de todos, faz tudo pela paz, mas, num primeiro lugar, temos que dar exemplo para isso", sustentou Bolsonaro. Na ONU, no entanto, o país votou a favor da imposição de medidas contra a Rússia por violações aos direitos humanos.

Em viagem a Moscou, em meados do mês passado, Bolsonaro se mostrou simpático à figura de Putin com o qual disse ter valores comuns. Sentados em poltronas próximas e sem detalhar a que se referia, o brasileiro afirmou que o país "é solidário à Rússia". Com a guerra iniciada, adotou o discurso de neutralidade.

Maristela Basso, professora de Direito Internacional e Comparado da Universidade de São Paulo (USP) avaliou que, com a declaração de "não mergulhar em aventuras", Bolsonaro quer dizer que não mandará soldados para lutar ao lado da Ucrânia ou da Rússia e nem se manifestará dando razão a uma das duas nações.

"É isso que o presidente chama de neutralidade. Mas Bolsonaro confunde a opinião dele com a do Brasil. A nossa posição é aquela manifestada pelo Ministério das Relações Exteriores nos fóruns internacionais onde o Brasil é chamado a se manifestar. Como manda a tradição, o Itamaraty condena guerras de agressão, desrespeito ao princípio da autodeterminação e o uso da força para a solução de conflitos. No plano internacional o que vale é a posição oficial do MRE. A opinião particular do presidente não interessa", observou.

"Mesmo o Brasil estando longe, a guerra traz efeitos econômicos graves ao país. O Brasil utiliza o modal rodoviário predominantemente, e o preço de todos os produtos depende de quanto custam o diesel e a gasolina. Perto ou longe do epicentro da guerra militar, o país já trava uma guerra econômica sem precedentes. Contudo, temos um presidente que fala sem pensar, que fala e depois se desmente", destacou.

Paulo Roberto de Almeida, diplomata e professor, ressaltou que existem circunstâncias externas que são agravadas por fatores internos. "Cada vez que Bolsonaro fala, a situação se deteriora; cada vez que o Congresso é fiscalmente irresponsável, a conta aumenta. A postura pessoal do presidente, evidentemente, não ajuda", concluiu.