O Estado de São Paulo, n. 46673, 31/07/2021. Economia p.B4

 

Pandemia destrói 7,7 milhões de vagas

Vinicius Neder

 

A geração insuficiente de empregos mantém o desemprego em níveis recordes quando se considera o mercado de trabalho como um todo, incluindo a economia informal, mostram os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disso, o total de ocupados aponta para o corte de 7,7 milhões de vagas na comparação com o quadro anterior à pandemia. Na virada de 2019 para 2020, o total de ocupados oscilava entre 94 milhões e 94,5 milhões. Agora, são 86,7 milhões.

Conforme o IBGE, a taxa de desocupação de 14,6% no trimestre móvel até maio, com 14,795 milhões de desempregados, nas máximas históricas, sobe para 29,3%, incluindo desalentados (que simplesmente desistiram de procurar emprego) e subocupados (que trabalham menos do que gostariam). Está faltando trabalho para 32,946 milhões no País, o equivalente às populações de Angola ou da Malásia.

O desemprego se manteve em níveis recordes porque mais pessoas estão em busca de uma ocupação. Um ano atrás, a taxa de desemprego estava em 12,9%. Segundo Adriana Beringuy, analista da Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE, a alta se deve a uma particularidade da crise da covid-19.

Em um primeiro momento da pandemia, trabalhadores que perderam seus empregos, formais ou informais, ficaram em casa, sem procurar trabalho, por causa das restrições ao contato social. Pelas metodologias internacionais seguidas pelo IBGE, só é considerado desempregado quem busca emprego. "Muitas pessoas, embora não estivessem trabalhando, não estavam procurando", afirmou Adriana.

A flexibilização das medidas de restrição e a necessidade de buscar renda levaram os trabalhadores a voltar ao mercado, buscando emprego ativamente. Ou seja, o desemprego não está nas máximas históricas por causa de mais demissões. Pelo contrário, a evolução da população ocupada aponta para a criação de 840 mil vagas, entre formais e informais em um ano.

 

Cenário. A expectativa de economistas é que o desemprego recue no segundo semestre, com o avanço da vacinação favorecendo a retomada da atividade econômica, mas o País ainda deve conviver com níveis de desocupação altos por bastante tempo.

"À medida que a economia vai retomando, a demanda por emprego aumenta, mas a volta da atividade econômica também gera um aumento da demanda por parte dos trabalhadores. Tem um período no qual a taxa vai ficar basicamente parada e, daqui a pouco, ela começa a cair", disse José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, prevendo a queda da taxa de desemprego a um nível entre 12,5% e 13% no fim de 2021.

Em nota, o economista Rodolfo Margato, da XP Investimentos, previu que a população ocupada só deverá retornar ao nível pré-pandemia no terceiro trimestre de 2022.

Daniel Xavier, economista sênior do banco ABC Brasil, também vê a redução do desemprego como um movimento gradual. Para o ano que vem, por exemplo, ele estima uma taxa de desocupação de 12,5% no último trimestre e média do ano em torno de 13%.

A economista Lisandra Barbero, do Banco Original, espera taxa de desemprego média de 14,0% em 2022. Ela está mais pessimista porque o avanço da vacinação e a reabertura da economia podem levar o crescimento do número de trabalhadores em busca de emprego a um ritmo superior ao da geração de vagas.

Para Lisandra, em parte os movimentos no mercado de trabalho são graduais por causa de particularidades próprias do Brasil. A economista lembra que a taxa de desemprego está em dois dígitos desde 2014. "Uma das justificativas é que contratar e demitir no Brasil é um processo muito caro, demorado. Precisa de muita confiança para decidir", disse.  (COLABORARAM GUILHERME BIANCHINI e CÍCERO COTRIM)

 

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Mercado ainda continua fragilizado

 

ANÁLISE:  Paulo Peruchetti 

 

A pandemia da covid-19 teve um impacto muito negativo sobre o mercado de trabalho brasileiro. Um aspecto importante dessa crise foi o fato de que milhões de trabalhadores desistiram de procurar emprego, o que resultou em uma queda sem precedentes da força de trabalho em 2020. Além disso, após apresentar um crescimento médio de 1,7% ao ano entre 2017 e 2019, o emprego recuou 7,9% ano passado, influenciado por quedas fortes na indústria e principalmente no setor de serviços. Diferentemente de recessões anteriores, os trabalhadores informais foram mais atingidos que os formais, e as ocupações de baixa escolaridade foram particularmente afetadas.

Os dados da Pnad Contínua divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que em 2021 o mercado de trabalho continua muito fragilizado. Apesar de vários indicadores apontarem para uma melhoria da atividade econômica nos últimos meses, o emprego tem se recuperado de forma mais lenta, encontrando-se 6,4% abaixo do nível observado em fevereiro de 2020, influenciado principalmente pela fraca recuperação do setor de serviços.

Em consequência, a taxa de desemprego permanece elevada (14,6% no trimestre móvel terminado em maio de 2021, alcançando 14,8 milhões de desempregados). Somando-se o elevado contingente de mão de obra que se encontra subutilizada (32,9 milhões de pessoas), os dados evidenciam que os desafios para o mercado de trabalho são imensos.

Diante do elevado grau de incerteza, a recuperação do mercado de trabalho deverá ocorrer principalmente por meio de ocupações informais, reproduzindo o padrão observado no período anterior à pandemia.

Além disso, os trabalhadores de menor escolaridade provavelmente terão grande dificuldade de inserção na força de trabalho, devido ao avanço de tecnologias que favorecem os trabalhadores mais qualificados, como o aumento do trabalho remoto. Isso reforça ainda mais a necessidade de capacitação da mão de obra para o mercado de trabalho.

 

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Desempregado tem dificuldade para se recolocar em nova vaga


Experiências apontam preconceito, exigência de qualificação e pandemia como entraves na busca por um novo trabalho

Maiara Santiago

Érika Motoda 

 

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou ontem que a taxa de desocupação no País alcançou 14,6% no trimestre encerrado em maio de 2021, mantendo os 14,8 milhões de desempregados constatados na medição do trimestre finalizado em abril. Com isso, o cenário é de adaptação forçada, principalmente, para quem perdeu o emprego por conta da pandemia do novo coronavírus.

Esse foi o caso de Mariane da Silva Carvalho, de 33 anos. Ela trabalhava como cozinheira e "bartender" para uma empresa terceirizada que prestava serviços para o resort Costa do Sauípe, na Bahia. Conta que estava no emprego havia dois anos e sete meses e ficou muito triste com a notícia do desligamento.

Paulistana e sem família na Bahia, voltou para São Paulo com o filho de cinco anos. Morando em Paraisópolis, doações feitas por instituições à comunidade ajudam a passar o mês. Para equilibrar as despesas, ela conta com o auxílio emergencial, que recebe desde o ano passado, e um auxílio merenda, dado pela escola.

Desde a demissão, Mariane não parou de procurar emprego. Mas as oportunidades são poucas e, além de tudo, ela ressalta que sofre preconceito no mercado de trabalho por ter criança pequena. Enquanto isso, tem feito alguns cursos técnicos gratuitos para não ficar parada. "Vou manter a esperança."

Diferentemente de Mariane, José Matias Vicente Júnior, de 20 anos, nunca teve emprego registrado em carteira. Ele está à procura da primeira vaga, mas critica as oportunidades de vagas. "As empresas buscam profissionais graduados, com inglês fluente e experiência, eles querem você grande, mesmo que o cargo seja de nível mais baixo."

Vicente Júnior mora na Cidade Ademar, zona sul de São Paulo, com o pai, de 61 anos, que trabalha assentando pedra. No período de maior crise, no ano passado, a renda da família foi complementada pelo auxílio emergencial do pai e por bicos que faz. Recentemente, ele começou um pequeno negócio, vendendo camisetas por meio de plataformas na internet. "Trabalho por encomenda. Ainda está no começo, mas espero conseguir alguma renda. Não podemos ficar parados."

Já Alexandre dos Santos Verçosa, de 35 anos, é barbeiro, e notou queda no número de clientes. Quando a clientela começou a cair por causa da pandemia, logo no ano passado, ele parou de alugar uma cadeira no salão onde trabalhava e fez uma vaquinha online para comprar os próprios equipamentos.

"Alugar uma cadeira" significa que, se o corte de cabelo custava R$ 50, Verçosa pagava R$ 30 ao estabelecimento, que acabou fechando. "Os cortes têm caído bastante, e não tenho outro trabalho. A única fonte de renda é da minha mãe, que trabalha de carteira assinada, como babá. Nossa prioridade tem sido a cesta básica e as contas. A gente paga as contas, e o dinheiro acaba em uma semana. Tem sido bem difícil."/ COLABOROU FELIPE SIQUEIRA