O Estado de São Paulo, n. 46674, 01/08/2021. Política p.A9
Presidente garante a execução de políticas controversas com a nomeação de aliados em funções estratégicas
Em paralelo às tentativas de mudar a legislação para fortalecer seu controle sobre o Estado, Jair Bolsonaro nomeou para cargos-chave do funcionalismo aliados dispostos a executar suas políticas mais controversas. Ele responde a um inquérito por tentativa de interferência na Polícia Federal.
No Ministério da Saúde, por exemplo, sob o comando do general Eduardo Pazuello, o corpo técnico foi ocupado por nomes como a médica Mayra Pinheiro, a "capitã cloroquina", e Hélio Angotti Neto, que preparou um "Dia D" para distribuir o remédio em meio à falta de oxigênio em hospitais. No Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão com décadas de expertise no monitoramento do desmatamento, houve proibição de realização dessa função, transferida para o Ministério da Agricultura. Na Fundação Zumbi dos Palmares, cuja função é promover a cultura negra, após a indicação do jornalista Sérgio Camargo houve anúncio de redução de metade acervo da instituição, tido como "marxista".
Sua proposta de reforma administrativa é alvo de crítica de opositores por, segundo eles, dar chances de perseguição e demissão de servidores de carreira não alinhados ao governo atual. "Se aprovada, permitirá a perseguição política, ainda mais em um governo que não gosta de servidores que possam ter independência funcional", disse o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ). Ele considera a reforma necessária, mas ressaltou: "Duas coisas têm de ser feitas para melhorar o serviço público brasileiro: regulamentar a avaliação de desempenho (dos servidores) e criar mais carreiras transversais. A reforma do Bolsonaro não faz nenhuma das duas coisas. Ela abre brechas para a demissão de servidores por perseguição e permite a indicação política para cargos de natureza técnica."
Mandato. Com 32 meses de mandato, Bolsonaro já pôde indicar seis diretores-gerais de agências reguladoras, órgãos com função de balancear interesses de governo, consumidores e setor privado. Os dirigentes têm mandato.
Na Agência Nacional do Petróleo (ANP), com a indicação do contra-almirante Rodolfo Saboia, os militares passaram a ter controle do Ministério de Minas e Energia, da presidência e do Conselho de Administração da Petrobras e da ANP. Na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sob gestão do contra-almirante Antonio Barra Torres, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), fez críticas pela demora na liberação da vacina Coronavac – os técnicos do órgão também impuseram restrições à Covaxin, defendida pelo governo.
"No passado, as agências foram alvo de interferência política, com prejuízo para toda a sociedade", disse o coordenador executivo do Centro de Gestão de Políticas Públicas do Insper, André Luiz Marques. Ele citou ações da ex-presidente Dilma Rousseff para controlar preços de energia. "Nas agências, você precisa de um corpo técnico forte, não pode ter loteamento de cargos. Senão, as relações ficam desiguais, e quem paga por isso geralmente é o consumidor."
PF. O caso da Polícia Federal é o que mais teve repercussão. Em abril de 2020, o ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública Sérgio Moro acusou o presidente de interferir no órgão. A PF no Rio investigava o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) após a Operação Furna da Onça apurar corrupção na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e chegar a Fabrício Queiroz, exassessor de Flávio (e amigo de Jair), nome central nas apurações de suspeitas de "rachadinhas" em gabinetes da família presidencial. Com Anderson Torres na Justiça, o novo diretor-geral Paulo Maiurino propôs a criação de um setor na PF, vinculado a ele, para investigar políticos que possuem foro especial. / B.R., D.B. e M.G.