Correio Braziliense, n. 21538, 06/03/2022. Brasil, p. 7

Mulheres se destacam na ciência
Maria Eduarda Cardim


Dois anos após o surgimento da pandemia do novo coronavírus, os nomes de mulheres à frente de iniciativas científicas se multiplicam no Brasil e no mundo. Seja no comando de grupos que fazem sequenciamento genético do vírus, na internet para fazer divulgação científica, ou na área de pesquisas para entender como o vírus ataca os diversos sistemas do corpo humano, as cientistas e pesquisadoras mostraram que vieram para ficar e ocupar cada vez mais os espaços de liderança na área da ciência que são, ainda, em sua maioria, preenchidos por homens.

Ainda que o Relatório de Ciência da Unesco 2021 aponte que cerca de 54% dos títulos de doutorado do Brasil nos últimos anos foram concedidos a mulheres, ainda é mais difícil ver essas profissionais nos cargos de liderança científica. Na semana do Dia Internacional da Mulher, o Correio ouviu diferentes cientistas para entender por que isso ainda acontece.

A coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Cristina Baena, entende que um dos motivos é a redução da longevidade da mulher na carreira da ciência. "Quando a gente olha a proporção de alunos na pós-graduação, exceto em algumas áreas específicas, a maioria é de mulheres, mas quando você olha ao longo da carreira, a longevidade da mulher nessa área da ciência é menor. Ao longo do tempo, a pesquisadora vai sumindo do cenário e é por isso que quando você olha para os cargos de liderança é mais raro encontrá-las", aponta.

Para a pesquisadora, um dos motivos é a forma desigual como a falta de investimento e valorização da pesquisa no Brasil atinge homens e mulheres. "A formação, pós-graduação, mestrado e doutorado não é vista como trabalho no Brasil. Essa dificuldade se torna mais intensa no cenário feminino, já que a mulher tem que assumir a obrigação de sustentar a casa, de criar o filho e viver isso com uma bolsa de mestrado e doutorado é praticamente impossível", explica.

A própria carreira de Cristina na área de pesquisa precisou ser adiada por mais de 10 anos. "Me formei com 25 anos e logo na sequência engravidei e tive um filho. E naquele momento e durante alguns anos, conciliar o papel de mãe, com o papel de provedora da casa, de profissional, e de esposa, não era compatível com a continuidade da minha formação para pesquisa, que era uma coisa que eu queria muito", relembra.

Multitarefas

Para a vice-diretora do centro de desenvolvimento científico do Instituto Butantan, Maria Carolina Sabbaga, essa característica e estereótipo de multitarefas que a mulher tem dificulta a continuidade dentro da carreira de pesquisadora. "A nossa profissão de cientista exige muita disciplina porque é diferente de uma profissão que você atende uma demanda específica e quando tem essa face multitarefas encontrar essa disposição é mais difícil", analisa.

Na visão dela, o estereótipo reverso criado sobre o homem o liberta de pressões sofridas pela mulher. "Quando a sociedade fala que o homem não consegue fazer muitas coisas ao mesmo tempo, você liberta ele, enquanto a mulher está com a pressão de fazer várias coisas ao mesmo tempo", completa Sabbaga. "A gente sente isso [as dificuldades] nos detalhes. Você sente isso quando você entra em uma reunião e só tem homens, quando você sabe que tem mais legitimidade para falar de um assunto e chamam um homem para falar daquele mesmo tema", critica.

Feitos

Apesar de todas as dificuldades, as cientistas e pesquisadoras têm alcançado importantes feitos durante toda a pandemia. Junto com outras três mulheres, Sabbaga, que dirige o centro de desenvolvimento científico do Butantan, o qual agrega vários laboratórios de pesquisa do instituto paulista, montou do zero um laboratório para realizar o diagnóstico de casos de covid-19 e, em 2021, uma rede de sequenciamento genético do vírus.

"O papel das mulheres na pandemia da covid foi brilhante. Aqui no Butantan, a gente construiu um laboratório do zero a quatro mãos e eram quatro mulheres, duas do controle de qualidade e duas do desenvolvimento científico, que arregaçaram a manga e encararam esse desafio", ressalta.

Quem encarou outro desafio na pandemia de covid-19 no ramo da pesquisa foi a médica cirurgiã do Hospital Marcelino Champagnat, Anna Flávia Miggiolaro, 44 anos. Junto com outras duas mulheres, a doutora Cristina Baena e a médica patologista Lucia de Noronha, Anna encabeçou um projeto para estudar as alterações causadas pelo novo coronavírus em diversos tecidos de vítimas da doença. O estudo ajudou a mudar os protocolos de tratamento de pacientes do hospital em que trabalhava, que no início eram baseados nos mesmos da H1N1, já que o Sars-CoV-2 era identificado como um vírus respiratório.

"Logo nas primeiras biópsias identificamos alterações nos pulmões, alvéolos e na circulação pulmonar, que eram completamente diferentes da H1N1. Com essas alterações que identificamos, vimos que não era uma doença essencialmente pulmonar, mas uma doença sistêmica, que causa inflamação em todo o organismo, podendo atingir qualquer órgão", explica.