O Globo, n. 32763, 20/04/2023. Economia, p. 18

UE aprova lei que barra produto de desmatamento

João Sorima Neto


O Parlamento Europeu aprovou ontem, por ampla maioria, uma lei que fecha a porta para a importação de produtos oriundos de áreas desmatadas. Na lista, estão itens como carne, soja, madeira e café. Para especialistas, a nova legislação pode reduzir a competitividade das exportações brasileiras, pois o cumprimento das regras representará um custo para as empresas.

A nova lei, aprovada por 552 votos a favor, 44 contra e 43 abstenções, engloba ainda produtos que usam matéria-prima de áreas desmatadas em sua fabricação, como chocolate, borracha, azeite de dendê e papel.

O texto foi apresentado em novembro de 2021 pela Comissão Europeia, e os eurodeputados ampliaram a lista de produtos.

Para sanção do conselho

As empresas só serão autorizadas a vender produtos à União Europeia (UE) se o fornecedor tiver emitido a chamada declaração de due diligence (investigação prévia) confirmando que estes não vêm de terras desmatadas após 31 de dezembro de 2020. Também será preciso assegurar que os produtos cumprem a legislação quanto ao respeito aos direitos humanos e dos povos originários.

A lista inclui gado, cacau, café, azeite de dendê, soja e madeira, além de produtos que contenham, sejam alimentados ou elaborados com essas commodities (como couro, chocolate e móveis). Na tramitação, os parlamentares adicionaram borracha, carvão vegetal, produtos de papel impresso e vários derivados de azeite de dendê.

O texto terá de ser ratificado formalmente pelo Conselho Europeu e entrará em vigor 20 dias após sua publicação. Mas os fornecedores terão um prazo para se adaptar.

A Comissão Europeia irá classificar os países como de baixo risco, risco padrão ou alto risco em até 18 meses após a entrada em vigor do regulamento.

Welber Barral, consultor de comércio internacional e sócio da BMJ Consultores Associados, avalia que a lei deve entrar em vigor até o fim do ano.

A nova regra será um dos assuntos a serem tratados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na viagem que fará a Portugal e Espanha. Lula embarca para Lisboa hoje à noite, segundo o Palácio do Planalto.

Um interlocutor do governo brasileiro afirmou que a medida afeta o Brasil e pode se transformar em mais uma barreira às exportações agrícolas.

Governo e empresários brasileiros se preocupam com a fórmula encontrada pelos europeus. O certo, disse uma fonte, seria se o produto, comprovadamente, tivesse saído de uma área desmatada ilegalmente. Esse interlocutor enfatizou que a legislação brasileira é rígida nesse aspecto e reconhecida no mundo inteiro.

Vera Kanas, sócia na área de comercio internacional do escritório TozziniFreire, afirma que alguns produtos brasileiros poderão perder competitividade com a nova lei:

— Será preciso fazer uma due diligence para averiguar não só o produtor, mas toda a cadeia, e essa documentação tem custo e é um processo burocrático. Isso reduzirá a competitividade de alguns produtos brasileiros na Europa.

Ela reconhece que, como o mundo todo busca uma pegada mais verde, a lei pode ser um incentivo para evitar o comércio de áreas ilegais. Mas não porá fim ao problema:

— O europeu impõe barreiras, mas outros países não. Nada impede que produtos oriundos de áreas de desmatamento ilegal sejam vendidos em um mercado paralelo, e até mais baratos.

Barral, por sua vez, ressalta que as preocupações ambientais passarão a fazer parte de outros acordos comerciais da UE, como aquele com o Mercosul. Ele também se preocupa com a classificação de risco de desmatamento:

— O Brasil, ao lado da indonésia, deve ser classificado como país de alto risco.

‘Desmatamento importado’

Segundo o eurodeputado Pascal Canfin, do bloco Renovar Europa, é a “primeira lei do mundo que acaba com o desmatamento importado.” Já a eurodeputada Marie Toussaint, dos Verdes, defende que a lei seja ampliada para incluir agentes que financiem projetos ligados ao desmatamento, como grandes bancos.

A lei prevê multa de até 4% do volume de negócios anual na UE para o operador ou comerciante que não cumprir as regras.