O Globo, n. 32764, 21/04/2023. Opinião, p. 2

Nova lei europeia torna ainda mais urgente combate ao desmatamento



Em dezembro de 2018, antes da posse de Jair Bolsonaro na Presidência, diversos exportadores fizeram chegar a ele sua preocupação com ameaças europeias de boicote a produtos agrícolas brasileiros por causa do avanço do desmatamento na Amazônia. Não foram ouvidos, a devastação quebrou recordes sucessivos — e Bolsonaro não se reelegeu. Agora o governo Luiz Inácio Lula da Silva terá de lidar com as consequências.

O Parlamento Europeu aprovou na quarta-feira o veto à importação de produtos de áreas desmatadas ilegalmente a partir de 31 de dezembro de 2020, abrangendo a maior parte do governo Bolsonaro. Estão na mira dos legisladores europeus carne, soja, madeira, óleos de palma e soja, borracha e produtos derivados como couro, móveis e chocolate. Os 27 países do bloco europeu terão de cobrar certificados de origem dos produtos principalmente de Brasil, Indonésia, Malásia, Nigéria, República Democrática do Congo, Etiópia, México e Guatemala.

Errou quem imaginava que as ameaças de boicote em nome da preservação ambiental e do combate ao aquecimento global demorariam a se converter em ações concretas. Com a aprovação da retaliação contra o desmatamento, a medida passará pelo Conselho Europeu, será publicada no Diário Oficial do bloco, e 20 dias depois começará a contar o prazo de 18 meses para a UE erguer a barreira contra produtos de zonas de desflorestamento ilegal. A previsão é que, no segundo semestre do ano que vem, entre em vigor a Lei de Produtos Livres de Desmatamento.

O governo brasileiro precisa mobilizar não apenas o Ministério da Agricultura, mas também o Itamaraty para prestar auxílio aos exportadores agrícolas. A nova lei é uma vitória do forte lobby dos pequenos produtores rurais, que também rejeitam o acordo comercial Mercosul-UE, por não serem capazes de resistir à concorrência de Brasil e Argentina. Com base nela, tentarão barrar importações de alimentos brasileiros. O contencioso diplomático com a Europa também sofrerá as consequências das declarações desastradas de Lula sobre a guerra na Ucrânia.

Embora a legislação europeia tenha um teor protecionista, suas exigências oferecem uma oportunidade para o Brasil institucionalizar o combate ao desmatamento ilegal. É conhecido o modelo predatório com que o Brasil tem transformado bordas da Amazônia em áreas produtivas. Primeiro, vem a motosserra, depois o gado, por fim campos de soja. Há vários anos, porém, produtores rurais dispõem de técnicas para aumentar a produtividade sem derrubar a floresta. Há também tecnologia para rastreamento dos produtos oriundos de áreas livres de desmatamento. Precisam ser ampliadas as experiências bem-sucedidas de certificação de carne para exportação.

Outro trabalho fundamental é a reativação da fiscalização do Ministério do Meio Ambiente, esvaziada na gestão Bolsonaro, para punir os produtores rurais que trabalham na ilegalidade.