O Estado de São Paulo, n. 46675, 02/08/2021. Política p.A6

 

Abert critica pedido da CPI contra a Jovem Pan

Daniel Weterman 

Cássia Miranda

 

A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) divulgou uma nota de repúdio à tentativa de quebrar o sigilo bancário da rádio Jovem Pan pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. A medida está na pauta da próxima reunião da CPI, amanhã – a primeira após o recesso parlamentar –, e gerou reação de outras entidades representativas dos meios de comunicação. Além da Abert, a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abratel) também se manifestou contra a iniciativa.

O requerimento de quebra de sigilo foi apresentado pelo relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL). No pedido, ele citou a Jovem Pan como um "grande disseminador" de fake news e vinculou a medida a um conjunto de requerimentos para quebrar o sigilo bancário de portais na internet e integrantes do chamado "gabinete do ódio". O argumento é apurar o financiamento de informações falsas na pandemia de covid-19.

"Tal iniciativa não aponta qualquer dado ou informação concreta que justifique a adoção de medida extrema contra uma emissora que está no ar há quase 80 anos, cumprindo o papel de informar a população sobre fatos de interesse público", diz a nota da Abert. Para a associação, "qualquer tentativa de intimidação ao trabalho da imprensa é uma afronta à liberdade de expressão, direito garantido pela Constituição Brasileira".

Diante da repercussão, a CPI recuou e pode até mesmo retirar o requerimento de pauta. Em resposta ao posicionamento da Abert, a assessoria de Renan afirmou que a quebra de sigilo ainda será discutida hoje, durante reunião da cúpula da comissão antes da retomada dos trabalhos.

A Abratel afirmou que, ao analisar o requerimento, não identificou nenhuma informação que respaldasse ou legitimasse a medida da CPI. "A imprensa, que é um serviço essencial para o País, não é o foco dos trabalhos desenvolvidos pela CPI", diz a nota. A expectativa da Abratel é de que o requerimento seja mesmo retirado de pauta ou rejeitado. "Caso isso não ocorra, estaremos diante de um precedente gravíssimo, desnecessário e equivocado, ferindo as liberdades de imprensa e expressão."

O presidente da Jovem Pan, Antônio Augusto de Carvalho Filho, o Tutinha, classificou o requerimento como "ataque à liberdade de expressão". Ontem, a rádio divulgou em seu site os balanços da emissora desde 2018 e afirmou que as contas são "públicas e transparentes". "Todos os pagamentos públicos, realizados à Jovem Pan e às suas afiliadas, são registrados nos respectivos portais de transparência dos diversos órgãos públicos", afirmou a rádio.

Instalada no dia 27 de abril, a CPI da Covid teve o prazo final de funcionamento prorrogado e irá se estender até o dia 5 de novembro. Até agora, o colegiado já aprovou 66 requerimentos de quebra de sigilo, entre acesso a dados bancários, fiscais e telefônicos.

 

Retomada. Depois do recesso parlamentar, a comissão retoma seus trabalhos nesta semana. Além dos requerimentos em pauta para votação, a CPI agendou para amanhã o depoimento do reverendo Amilton Gomes de Paula, fundador da ONG Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários .

Amanhã, a comissão tem prevista também na pauta a votação de 135 requerimentos, de um total de 386 que aguardam encaminhamento. São pedidos de convocações, quebras de sigilos, informações e audiências públicas que devem orientar a atuação do colegiado.

Entre os 265 requerimentos pendentes para convocação de testemunhas, os senadores sugerem a convocação de dez ministros: Marcelo Queiroga (Saúde), Paulo Guedes (Economia), Walter Braga Netto (Defesa), Onyx Lorenzoni (ex-secretário-geral da Presidência da República, recém-empossado ministro do Trabalho e da Previdência), Anderson Torres (Justiça), Carlos Alberto França (Relações Exteriores), Damares Alves (Direitos Humanos), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), João Roma (Cidadania) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo). Há ainda um pedido de convite para o ministro Wagner Rosário, da Controladoria-geral da União (CGU).

Em outra frente, os parlamentares apresentaram requerimentos para a convocação de três governadores: João Doria (PSDB-SP), Rui Costa (PT-BA) e Claudio Castro (PL-RJ).

 

'Extrema'

"Tal iniciativa não aponta qualquer dado ou informação concreta que justifique a adoção de medida extrema." Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão

EM NOTA

 

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Senadores vão analisar convocação de Braga Netto

 

Integrantes da CPI da Covid vão analisar amanhã o pedido de convocação do ministro da Defesa, general Braga Netto. A comissão retomará os trabalhos nesta semana após o recesso parlamentar. Senadores querem coletar informações do período em que Braga Netto chefiou a Casa Civil, entre fevereiro do ano passado e abril deste ano, e apurar se houve pressão sobre o Ministério da Saúde para fechar contratos que viraram alvo da CPI, entre eles o da compra da vacina indiana Covaxin.

O presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, durante depoimento na comissão, apontou atuação de Braga Netto na tentativa de mudar a bula da cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada contra a covid. O general entrou em atrito com a CPI após assinar nota conjunta com os comandantes das Forças Armadas com críticas ao presidente do colegiado, senador Omar Aziz (PSD-AM). A nota foi uma reação após Aziz falar em "lado podre das Forças".

 

Depoimentos. Amanhã também está previsto o depoimento do reverendo Amilton Gomes de Paula. Presidente de uma ONG, ele recebeu autorização do Ministério da Saúde para negociar 400 milhões de doses de vacina em nome do governo.

Na quarta, a CPI havia marcado o depoimento do sócio da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano, mas ele recorreu ao STF para pedir que seja autorizado a não comparecer. Segundo advogados, o empresário viajou para a Índia./ C.M. e D.W.

 

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Retorno da comissão será um bom teste para a democracia

 

ANÁLISE:  Mário Scheffer 

 

Nos últimos três meses, enquanto transcorria a CPI, mais 150 mil brasileiros morreram de covid, e o País chega a agosto com apenas 25% de adultos completamente vacinados.

Mesmo sob mira do inquérito parlamentar, o governo Bolsonaro foi incapaz de coordenar o controle da transmissão do vírus com a retomada das atividades econômicas, de educação e lazer, situação já experimentada por tantos países.

Graças à CPI, têm-se hoje uma visão retrospectiva das origens da inação federal. Mas isso pouco contribui para reverter a crise sanitária ou para fortalecer o SUS, única trincheira capaz de nos escoltar até a porta de saída da pandemia.

Desliza-se, daí, para contingência de outra natureza. Como não cabe à CPI julgar ou punir, com relatório final previsto para novembro, suas conclusões pedindo indiciamentos e responsabilizações, dirigidas a órgãos de Justiça ou polícia, serão empurradas para 2022.

Esta é uma CPI outsider, de arquitetura e efeitos especiais. Sua popularidade vem da desesperança coletiva, de circunstâncias de vida e morte, de plateia imensa que aspira reparações.

Seus integrantes, até alguns de passado dubitável, pouco afeitos a se opor, seja a qual governo for, caíram bem no papel de investigadores da desordem de Bolsonaro.

Impedida, pelo sucesso que alcançou, de acabar em pizza, a CPI já comprovou o atraso intencional na compra de vacinas e a promoção oficial da cloroquina inútil, expôs ao País bufões da corte que negaram a ciência e bandalhos que tentaram superfaturar a compra de imunizantes.

Instrumento de controle eminentemente político, a comissão não estará, até novembro, imune de mancomunações ou intrigas de bastidores das relações entre os dois poderes.

No histórico do Senado, partidos de coalizão governista comumente usaram CPIS para dominar o governo, formavam maioria na composição e, assim, produziam desfechos cordiais, mediante compensações.

Para o segundo tempo do jogo, o governo escalou um esterilizador, com a missão de fazer a CPI da Covid se parecer mais... com uma CPI.

O novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, quando ainda apoiava governos petistas, foi, no Senado, craque titular de CPIS chapa-branca, como a da Petrobras e a do Futebol.

Adam Przeworski, intérprete das democracias em crise, argumenta que governos extremistas empenhados no retrocesso, que agem sub-repticiamente, tomam medidas abertamente antidemocráticas ou trazem a velha política para perto de seus ideais.

O retorno da CPI da Covid será um bom teste para nossa democracia.