O Estado de São Paulo, n. 46676, 03/08/2021. Política p.A8
Julia Affonso
O núcleo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado, que investiga a disseminação de fake news sobre o enfrentamento à pandemia, avança e deve pedir, nesta semana, a quebra de sigilo bancário de ao menos oito sites que propagaram conteúdos falsos. Desde ontem, o grupo conta com o auxílio do delegado da Polícia Federal Carlos Eduardo Miguel Sobral, especialista em crimes cibernéticos, que investigará exclusivamente a disseminação de mensagens enganosas.
Após 15 dias de recesso, a CPI retoma os trabalhos hoje, quando também retoma a apuração sobre intermediários de venda de supostas vacinas contra a covid-19. A comissão convocou para falar, hoje, o reverendo Amilton Gomes de Paula. Ele é presidente de uma empresa chamada Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), com sede em Águas Claras (DF), e tentou negociar supostas doses da vacina Astrazeneca com o Ministério da Saúde.
Amanhã, os senadores ouvem o coronel Marcelo Blanco, ex-assessor do Ministério da Saúde, exonerado da pasta em 19 de janeiro. Áudios em posse da CPI, revelados pelo Estadão, mostram o coronel orientando Cristiano Alberto Hossri Carvalho, representante da Davati Medical Supply, a acessar o Departamento de Logística do Ministério da Saúde e negociar supostas 400 milhões de doses da vacina da Astrazeneca.
Está marcado para quinta-feira o depoimento do ex-assessor do Ministério da Saúde, Airton Antonio Soligo, nomeado em 23 de junho do ano passado pelo ex-ministro Eduardo Pazuello. Ele foi exonerado em 24 de março, um dia depois da saída de Pazuello do ministério.
A pauta da Comissão para hoje tem mais de 130 requerimentos para análise. O item número um é a proposta do vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) de afastamento de Mayra Pinheiro da secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, do Ministério da Saúde. Em entrevista à rádio Eldorado, ontem, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSDAM), cobrou o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a demissão de Mayra do cargo.
A secretária é entusiasta do suposto tratamento precoce contra a covid, composto por medicamentos contraindicados para a doença, como cloroquina e ivermectina. O “kit covid” tem como incentivador o presidente Jair Bolsonaro.
No domingo, o Estadão mostrou, com base em estudo da consultoria LLYC, que Bolsonaro foi o principal influenciador no apoio ao kit covid nas redes sociais no primeiro ano da crise sanitária. A LLYC rastreou cerca de 20 milhões de menções a cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina na rede social Twitter. No total, 1,85 milhão de contas foram analisadas.
Negacionismo. O núcleo de senadores que apura o negacionismo na pandemia catalogou as principais fake news da covid e identificou, na semana passada, sites, pessoas físicas, influenciadores e políticos que disseminaram conteúdo falso.
“A desinformação e as campanhas negacionistas também mataram brasileiros. Pessoas físicas, influenciadores e sites criados apenas para disseminar fake news e atacar adversários do governo foram aliados do vírus e agravaram o morticínio”, afirmou o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), um dos senadores que lideram a investigação sobre fake news. “A CPI tem o compromisso de investigar e cobrar as responsabilidades. E é isso que vamos fazer.”
A CPI da Covid já identificou de que forma as fake news disparadas durante a pandemia se estruturaram. Os senadores descobriram que as mentiras eram produzidas para induzir as pessoas a acreditarem no suposto tratamento precoce.
As mensagens falsas são disparadas de duas formas, simultaneamente. Há um conteúdo que ataca a vacina, o uso de máscara e o distanciamento social, e outro que dissemina o suposto tratamento precoce com dados falsos e pesquisas distorcidas. A CPI suspeita que robôs tenham sido usados para estimular a disseminação das mensagens.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirma que os parlamentares aguardam uma confirmação técnica sobre o assunto. “A priori, sim, você teve a mistura bem típica da desinformação, que utiliza perfis que são operados por seres humanos e impulsiona, dá volume, com robôs”, disse.
A investigação dos senadores já identificou ao menos 76 perfis, em redes sociais como Instagram e Twitter, que se dedicavam a propagar notícias enganosas. A CPI também deve pedir às plataformas que revelem quem são as pessoas por trás dos perfis. A apuração pretende também identificar pessoas, inclusive do governo federal, “que tiveram papel efetivo na desinformação dos brasileiros”, e responsabilizá-los no relatório final.
Demanda
130
é o número de requerimentos à espera dos senadores da CPI, no retorno do recesso parlamentar, entre eles o pedido de afastamento de Mayra Pinheiro da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde
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Caio Sartori
Palco histórico da República brasileira – e, nos últimos anos, de escândalos de corrupção –, o Palácio Tiradentes não é mais a casa da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Os deputados fluminenses farão, hoje, a primeira sessão da nova sede do Legislativo estadual: o Edifício Lúcio Costa, o "Banerjão", que pertenceu ao Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj), privatizado nos anos 90.
A mudança, coordenada pelo diretor da Casa, Wagner Victer, tem como justificativas as melhores condições estruturais do prédio e a economia anual de recursos. Atualmente, a Alerj precisa de dois edifícios, além do Palácio Tiradentes, para funcionar. Mesmo assim, o terreno somado das três construções é metade do espaço da nova sede.
São 44,7 mil metros quadrados na nova casa, contra 23 mil da soma das três antigas, que incluíam o palácio, um anexo para gabinetes e a sede administrativa. No novo edifício, os escritórios dos parlamentares se espalham por doze andares – seis por cada pavimento. São mais de 100 metros quadrados por deputado.
De frente para a Praça Mário Lago, mais conhecida como Buraco do Lume, o prédio de 31 andares que passa a receber a Alerj custou R$ 156 milhões, segundo estimativas oficiais. A obra começou em julho de 2016 e envolveu 250 pessoas. Apesar dos gastos, a Casa argumenta que economizará no longo prazo. Com estrutura moderna, o prédio pode gerar uma economia de 40% nas despesas com água e de 25% em energia, avalia a Alerj.
Museu. De estilo eclético, o Palácio Tiradentes foi inaugurado em 1926 e é uma das principais construções do que resta do centro velho da capital. Antes de abrigar a Assembleia do Rio, o Tiradentes foi sede do Legislativo do antigo Estado da Guanabara. Também funcionou ali a Câmara dos Deputados, quando o Rio ainda era a capital da República, até 1960. São cerca de 95 anos como parlamento, com breves intervalos.
Com a sede do Legislativo estadual transferida, o edifício onde Tiradentes ficou preso, e de onde saiu para ser enforcado, passa a ser mais um palácio "abandonado" pelo poder público na antiga capital federal – a ideia é que vire um museu.