Correio Braziliense, n. 21539, 07/03/2022. Mundo, p. 2

Jogo de morte e intrigas no tabuleiro diplomático

Vinicius Doria


Prevista para ocorrer hoje, em Belarus, a terceira rodada de negociações por um cessar-fogo não havia sido confirmada oficialmente por nenhuma das duas partes até o fim da noite de ontem. A informação de que um dos membros da delegação ucraniana foi morto em circustâncias ainda não esclarecidas ajudou a aumentar a tensão que envolve esse encontro.

O jornal russo Pravda publicou relato do deputado ucraniano Alexander Dubinsky de que o negociador Denis Kireyev pode ter sido assassinado pelo Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU, na sigla em inglês) por traição. De acordo com o deputado, Kireyev foi atingido por tiros em um prédio público no centro de Kiev.

Dubinsky postou, em uma rede social, que Kireyev estava envolvido em "negócios bancários e financeiros" com a Rússia. "Como ele chegou a membro da delegação ucraniana? Eu, realmente, quero descobrir isso no gabinete do presidente (Zelensky)", escreveu o parlamentar. Fontes ouvidas pelo Pravda disseram que o SBU tinha "provas sólidas de traição" de Kireyev, o que incluía gravação de ligações telefônicas.

O governo da Ucrânia confirmou a morte, mas negou que ele tenha sido assassinado. O Exército ucraniano publicou, em sua conta oficial no Twitter, que Kireyev foi um dos três agentes mortos em uma operação especial, todos "funcionários da diretoria de Inteligência do Ministério da Administração Interna".

Em uma rede social, o negociador David Arakhamia, da Ucrânia, confirmou a realização da terceira rodada de debates, mas não deu nenhum detalhe adicional, como hora e local do encontro. Do lado russo, a mesma meia informação foi dada pelo negociador Leonid Slutsky, em uma entrevista ao canal Soloviev Live, no YouTube. As duas primeiras reuniões ocorreram em Belarus, perto da fronteira com a Polônia.

Apelos internacionais

O cessar-fogo, a ajuda humanitária e a situação das usinas nucleares da Ucrânia pautaram uma conversa telefônica de mais de uma hora e 45 minutos entre os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da França, Emmanuel Macron. O líder francês cobrou de Putin "uma solução aceitável para o lado ucraniano por meio de negociações".

Putin, porém, demonstrou pouca flexibilidade. Garantiu ao interlocutor francês que alcançará "seus objetivos" na Ucrânia "pela negociação ou pela guerra", informou o governo de Paris. Esses interesses, ou objetivos, são repetidos por Putin em todas as ocasiões: reconhecimento da Crimeia (ocupada em 2014) como território russo, assim como das áreas dominadas por separatistas pró-Rússia na região do Donbass, e a desmilitarização e "desnazificação" da Ucrânia. Para o governo francês, "são exigências inaceitáveis para os ucranianos".

O líder russo voltou a acusar o país vizinho de impedir ações humanitárias e de bloquear a saída de refugiados, mas assegurou que "não é sua intenção" atacar centrais nucleares ucranianas, segundo uma fonte da presidência francesa. O Kremlin nega, inclusive, que tenha iniciado o confronto na usina de Zaporizhzhia, e diz que a acusação dos ucranianos é "um elemento da campanha de propaganda cínica".

Foi a quarta vez que os dois presidentes conversam por telefone desde que a guerra começou. Depois do diálogo anterior, Macron considerou que "o pior está por vir".

O presidente da Turquia, Recep Erdogan, também telefonou para Putin, aumentando a pressão internacional por um "cessar-fogo geral e urgente". E se pôs à disposição para participar das negociações. "Vamos abrir juntos o caminho para a paz", disse ao colega russo.

Protestos

Enquanto os senhores da guerra conversam, os russos já sentem os efeitos das sanções econômicas impostas ao país. E muitos desafiam a censura e as proibições do governo Putin para protestar contra a guerra. Só ontem, mais de 4,6 mil pessoas foram detidas por participar de protestos em várias cidades russas, de acordo com a ONG OVD-Info, que monitora as manifestações no país. O Ministério do Interior russo divulgou que 2,4 mil pessoas foram presas nas duas principais cidades do país: 1,7 mil em Moscou e 700 em São Petersburgo.

Milhares de pessoas também aproveitaram o domingo para pedir paz e protestar contra Putin e a guerra em diversas cidades europeias. Em Bruxelas, a polícia local estimou em 5 mil o número de manifestantes. Na Espanha, os atos foram maiores em Madrid e em Barcelona. Em Belgrado, na Sérvia, centenas de pessoas se concentraram para expressar apoio à Ucrânia, dois dias depois de uma manifestação a favor de Vladimir Putin e da invasão à Ucrânia. "Queremos dar outra imagem de Belgrado porque o que aconteceu na sexta-feira (manifestação pró-Rússia) foi uma verdadeira vergonha", declarou Zdravko Jankovic, um matemático de 46 anos.