O Globo, n. 32764, 21/04/2023. Política, p. 4

'Conivente omissão'

Jeniffer Gularte
Sérgio Roxo
Mariana Muniz
Daniel Gullino
Paula Ferreira
Eduardo Gonçalves


A demissão do general Gonçalves Dias do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), além de repercutir no Congresso Nacional, tornou o ex-ministro e a pasta alvos de investigação da Polícia Federal (PF). Ontem, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a PF tome o depoimento do ex-integrante do governo Lula em até 48 horas — a oitiva foi marcada para hoje. As informações serão prestadas em inquérito que apura os ataques de 8 de janeiro. Para o magistrado, os vídeos com a movimentação de servidores do GSI no Palácio do Planalto, incluindo Dias, indicam “atuação incompetente” e “ilícita e conivente omissão”. O desenrolar da crise também deu força a um movimento no governo para a extinção do órgão, tradicionalmente comandado por militares.

As imagens que levaram à queda de Dias, reveladas pela CNN Brasil, serão o foco principal do depoimento dele à PF. Ontem, integrantes do primeiro escalão de Lula saíram em defesa do ex-ministro, como Paulo Pimenta (Comunicação Social), Flávio Dino (Justiça) e o interino do GSI, Ricardo Cappelli. O governo afirma que servidores que trabalharam na gestão de Jair Bolsonaro podem ter sido coniventes, mas não Dias.

A decisão de Moraes foi assinada anteontem, mesmo dia em que o general pediu exoneração, mas só foi tornada pública no dia seguinte. “Na data de hoje, a imprensa veiculou gravíssimas imagens que indicam a atuação incompetente das autoridades responsáveis pela segurança interna do Palácio do Planalto, inclusive com a ilícita e conivente omissão de diversos agentes do GSI”, escreveu o ministro.

O magistrado lembrou que no dia 8 de janeiro havia determinado que a PF obtivesse “todas imagens das câmeras do Distrito Federal que possam auxiliar no reconhecimento facial” dos envolvidos nos atos. Agora, a corporação deve informar se cumpriu “integralmente” a ordem, inclusive em relação às novas imagens. A PF também deve dizer se realizou laudos periciais “e quais as providências tomadas”.

Já ao interino do GSI, Moraes pediu a identificação dos servidores que aparecerem nas imagens. Na noite de ontem, ele afirmou que enviou as informações.

Outros integrantes do STF avaliam que as cenas mostram “incompetência”, mas não evidenciam a participação dos servidores nos atos golpistas. Ouvidos pelo GLOBO, ministros avaliam que não há como concluir que o governo Lula foi conivente, como a oposição tenta alardear para dar fôlego a uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI).

Em entrevista à GloboNews, Dias afirmou que se dirigiu ao Planalto quando viu que os golpistas haviam rompido o cordão montado pela Polícia Militar do Distrito Federal na altura do Congresso. Sobre a interação com os invasores, ele disse que atuou para “retirar as pessoas do terceiro e quarto andar do Palácio”. No vídeo, Dias aparece indicando a porta de saída aos golpistas.

O GSI, que já havia sido esvaziado no início do ano, deverá ser reestruturado a partir de agora e pode perder o status de ministério. A ideia defendida por integrantes do governo é retirar a maior quantidade possível de militares hoje lotados no órgão e transformá-lo em uma secretaria. Abaixo dessa nova pasta ficariam a Secretaria Extraordinária de Segurança Imediata do Presidente da República — responsável pela proteção do presidente, do vice, Geraldo Alckmin, e seus familiares —, além da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que já passou para a Casa Civil.

Ontem, Cappelli, que assumiu interinamente o órgão, afirmou que está discutindo o papel institucional do ministério e que apresentará uma proposta a Lula no retorno de sua viagem para a Europa — o petista embarcou ontem. O anúncio de Cappelli foi feito após diálogo com o ministro da Defesa, José Múcio, e o comandante do Exército, Tomás Paiva.

— Mais importante do que civil, militar, são as definições, atribuições, o papel institucional. A gente tem feito essa discussão e tem total sintonia, tanto com civis quanto com o comando do Exército —declarou Cappelli.,

A mudança, caso tenha o aval de Lula, poderia ser efetivada via Medida Provisória. A transferência da Abin para uma futura secretaria que substitua o GSI tem apoio na Casa Civil. Indicado por Lula para assumir a agência, o delegado Luiz Fernando Côrrea já se reporta diretamente ao presidente devido à relação de proximidade entre ambos; ele chefiou a PF nos primeiros mandatos do petista.

Ontem, Flávio Dino afirmou que não acredita que o ex-ministro GDias, como é conhecido, esteja “mancomunado” com golpistas.

— Se alguém detentor de cargo em comissão sai, não significa dizer que ele é culpado de qualquer coisa. Há uma tentativa vil e criminosa de absolver os terroristas e condenar as vítimas.

Já Paulo Pimenta acrescentou que Lula não tinha conhecimento das imagens, mas as havia requisitado. Ele também disse acreditar que Dias também não tivesse conhecimento dos vídeos.

— Acho que o general não sabia da existência dessas imagens. Pelo o que eu conheço do GDias, jamais partiria dele uma tentativa deliberada de omitir uma informação tão importante.

Depoimento de Bolsonaro

Em outra frente de atuação, a PF marcou para a próxima quarta-feira o depoimento do ex-presidente Jair Bolsonaro no inquérito que apura a autoria dos atos golpistas de 8 de janeiro. Segundo o colunista do GLOBO Lauro Jardim, Bolsonaro já foi intimado.

Será a segunda ida de Bolsonaro à PF para depor em três semanas. No início do mês, na condição de investigado, ele depôs no inquérito que apura o caso das joias oferecidas pelo governo saudita.

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, também determinou que a PF tome na segunda-feira um novo depoimento do ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Anderson Torres, no âmbito das investigações sobre a ação da Polícia Rodoviária Federal no segundo turno presidencial. Ontem, Moraes manteve a prisão preventiva de Torres.