O Globo, n. 32765, 22/04/2023. Economia, p. 12
“Timing técnico é diferente do político'', diz BC
Renan Monteiro
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, defendeu ontem, em evento com políticos e investidores em Londres, a condução da política monetária, afirmando que o “timing técnico é diferente do timing político”. Segundo ele, se o Comitê de Política Monetária (Copom) não tivesse iniciado o ciclo de aperto monetário em 2021, a inflação seria de 10%, e a Taxa Selic estaria em 18,75%, o que levaria o Brasil à recessão. A declaração foi interpretada como uma resposta ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que havia pedido a queda dos juros na véspera e reiterou a mensagem ontem.
— Se a gente não tivesse subido os juros, a inflação de 5,8% seria de 10%. A inflação esperada para o outro ano seria de 14%. Se isso tivesse acontecido, basicamente, teríamos que estar com juros de 18,75% hoje para ter o mesmo objetivo —estima o presidente do BC. Ele completou que, nesse caso, o país entraria em forte recessão no ano que vem. Campos Neto define a pressão para queda nos juros como “elemento político” e defende a “atuação técnica” do Banco Central. — Teríamos que, muito provavelmente, subir os juros para o ano que vem, colocando o país em uma recessão entre 3% a 4%. O timing técnico é diferente do timing político.
O custo de combater a inflação é alto e é sentido primordialmente no curto prazo, mas o custo de não combater a inflação é muito mais alto e perene —afirma. Campos Neto participou do Lide Brazil Conference, evento que reuniu ministros, governadores e empresários para debater os desafios econômicos e institucionais do Brasil e estimular as relações bilaterais com o Reino Unido. A Taxa Selic está estacionada desde agosto do ano passado em 13,75% ao ano, o que motivou críticas do presidente Lula e de aliados no governo com o argumento de que o foco no combate à inflação limita o crescimento econômico. Esta semana, o presidente do BC, em outro evento em Londres, voltou a dizer que a luta contra a inflação não foi vencida e que o BC vai continuar sendo “persistente”.
Exemplo da Argentina
Campos Neto afirma que a discussão levantada por integrantes do governo Lula sobre eventuais mudanças na meta de inflação é um dos motivos para a piora nas expectativas para os próximos anos. A meta de inflação para este ano é de 3,25%, com teto de 4,75%. Lula já defendeu a alteração da meta, alegando impossibilidade de cumpri-la no atual parâmetro.
— A Argentina notadamente é um país que primeiro aumentou a meta, achando que isso ia dar flexibilidade, e então resolveu cair os juros. A inflação argentina então disparou nos últimos presidente do Banco Central anos, um abandono total do sistema de metas e um abandono total da autonomia do Banco Central. Um preço muito caro que os argentinos estão pagando hoje —afirma Campos Neto.
O presidente do BC contestou a tese defendida por Lula sobre a “inexistência” da inflação de demanda no Brasil. A ala política do governo argumenta que os juros de 13,75% são “inexplicáveis”.
— Tem um argumento que eu escuto muito: “mas a inflação é de oferta, se é de oferta não precisa juros”. Bom, não é isso que a gente identifica. Quando dissecamos
o que é componente de oferta e demanda, chegamos à conclusão clara que hoje tem muito mais componente de demanda do que oferta —diz Campos Neto.
‘Ambiente propício’
O Banco Central está com a lupa no chamado núcleo de inflação, que verifica a tendência dos preços desconsiderando flutuações temporárias. Campos Neto argumenta que a taxa geral de inflação está “contaminada” por fatores de curto prazo, como a desoneração de combustíveis iniciada no governo Bolsonaro. O núcleo da inflação ainda estaria muito resiliente. Em outra frente, o presidente do Senado defendeu ontem que o Banco Central comece a sinalizar a redução na taxa básica de juros a partir de um ambiente “propício” com a nova âncora fiscal e outras reformas. Em entrevista à CNN Brasil, ele ressaltou que o clamor para a queda nos juros não é exclusivo do presidente Lula:
— A autonomia do BC é um projeto do Senado. Só que mesmo com a autonomia, o que pedimos é sensibilidade política. Nós temos muitas reformas já feitas, o arcabouço fiscal muito bem estruturado, que será aprovado. Temos boas perspectivas e um ambiente propício para se começar a sinalização da redução dos juros. Pacheco participou do mesmo evento que Campos Neto em Londres. Na quinta-feira, ele foi ainda mais enérgico e defendeu que o Banco Central promova uma redução “imediata” da taxa de juros no Brasil. Na reunião de março do Copom, o presidente do BC e os oito diretores não apresentaram perspectiva de redução da Selic no curto prazo. O próximo encontro ocorre nos dias 2 e 3 de maio.
— A taxa de 13,75% ao ano é de fato muito elevada, e essa é a compreensão não só do governo federal, mas também do Congresso Nacional e da própria sociedade. O setor produtivo clama por redução — disse Pacheco na véspera.