O Globo, n. 32765, 22/04/2023. Economia, p. 13

Moraes pede vista e interrompe julgamento de contribuição sindical

Daniel Gullino
Geralda Doca


O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu vista ontem no julgamento que pode voltar com a contribuição assistencial obrigatória por parte de trabalhadores não sindicalizados. Com isso, a Corte ganha tempo para fazer análise mais aprofundada sobre o tema. O risco de retorno da cobrança tem sido considerado por especialistas um retrocesso em um dos pontos da Reforma Trabalhista, aprovada em 2017 no governo Michel Temer.

Moraes interrompeu o julgamento com o placar em 3 a 0 a favor da volta da cobrança. Ainda faltam os votos dele e de mais seis ministros. A reviravolta aconteceu com a mudança de entendimento do ministro Gilmar Mendes, relator do caso, que antes era contrário à contribuição e passou a votar favoravelmente. Ele seguiu o voto do ministro Luís Roberto Barroso, que também foi acompanhado pela ministra Cármen Lúcia. Com o pedido de vista, Moraes tem até 90 dias para devolver o caso ao plenário do Supremo, mas nova data ainda precisará ser definida pela presidente da Corte, ministra Rosa Weber. A contribuição assistencial é um tipo de taxa usada para custear as atividades do sindicato. Diferentemente do imposto sindical, ela é estabelecida em assembleia de cada categoria e não tem valor fixo. Pelo voto de Barroso, caberia ao trabalhador dizer ao sindicato que não quer a cobrança.

O professor da PUC-Rio e economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, pondera que a mudança no voto de Gilmar abriu brecha para que seja reintroduzida uma contribuição obrigatória. Neste quadro, o trabalhador é obrigado a se manifestar caso não queira arcar com a contribuição. Por desconhecimento, muitos acabariam pagando. Ele avalia que isso reduz a liberdade do empregado.

Sem perfil obrigatório

Segundo estudo da CNI, de 2017 a 2021, o número de entidades representativas de trabalhadores e empregadores passou de 16.517 para 17.448. Os números sugerem que as entidades têm condições de sobreviver sem o imposto sindical obrigatório, que correspondia a um dia de serviço, descontado de todos os trabalhadores, independentemente de serem sindicalizados. No caso das empresas, o valor era definido com base no capital social. Para os autores do estudo da CNI, o aumento do número de sindicatos no período pode ter sofrido influência do processo de simplificação e desburocratização de procedimentos para registro de entidades sindicais.

Para o economista Daniel Duque, especialista em mercado de trabalho e pesquisador da FGV/Ibre, sempre houve pouca transparência sobre o uso desses recursos:

— Houve grande redução da arrecadação dos sindicatos, mas há pouca transparência sobre as áreas em que esses recursos eram empregados. Ele pondera ainda que qualquer mudança de regra acaba por criar insegurança jurídica para as empresas no país. O especialista reconhece o papel dos sindicatos, mas ressalta que, mesmo em países onde eles têm presença forte, a cobrança não é compulsória:

— Em países nórdicos, os sindicatos também oferecem melhores condições para empréstimos, assistência jurídica em litígios laborais. No entanto, esses países não têm presença de qualquer imposto sindical ou até filiação sindical obrigatória.

No início de 2017, antes da Reforma Trabalhista, o STF considerou inconstitucional realizar a cobrança dos trabalhadores não sindicalizados. Entretanto, foram apresentados os chamados embargos de declaração, um tipo de recurso usado para esclarecer pontos de uma decisão. É esse julgamento que está acontecendo agora e pode abrir caminho para a reviravolta.

A juíza Delaíde Alves Miranda Arantes, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), defendeu a mudança de Gilmar Mendes:

— Sou favorável a que a contribuição negocial seja paga por todos os integrantes da categoria beneficiada pela negociação coletiva. A advogada Yuri Nabeshima afirmou ao Jornal Nacional que o embargo de declaração não seria o melhor caminho para tratar do tema. — O ideal seria que isso fosse discutido no Congresso, com uma reforma sindical —afirmou.