Correio Braziliense, n. 21539, 07/03/2022. Política, p. 6

Tarefa inglória: repaginar o “homem”



Aliados e conselheiros do presidente Jair Bolsonaro (PL) têm tentado convencê-lo a mudar de postura e a se apresentar de  forma mais humana à população levando em conta o cálculo eleitoral com vistas a um segundo  mandato. Porém especialistas e figuras do entorno presidencial apontam que a tarefa de  repaginá-lo é difícil, a começar por ele próprio, que costuma agir impulsivamente.

Fontes do Palácio do Planalto afirmam que o presidente até aceita uma intervenção ou outra, mas  não a ponto de espantar seu eleitorado tradicional e fazer com que votos dali migrem para algum  concorrente. Nessa seara, o filho 02, o vereador Carlos, é figura central: é ele que coordena as  redes sociais do pai e faz coro com o irmão Eduardo, deputado federal, na manutenção das posturas  radicais. Os dois têm grande ascendência sobre o presidente.

Políticos interessados na reeleição de Bolsonaro e com acesso a ele têm se esforçado para que  seja mais maleável em alguns assuntos. A covid-19 é um deles. Tanto que sugeriram que o  presidente tomasse publicamente a vacina, como fizeram vários chefes de Estado e de governo. Essa possibilidade, porém, é vista como remota, sobretudo agora que governadores e prefeitos relaxam  as medidas de restrição exatamente por causa do avanço da imunização. Rio de Janeiro, São Paulo e o Distrito Federal começam a derrubar a exigência de máscaras em locais públicos.

Empatia em relação às tragédias naturais também faz parte do rol de assuntos que mereceriam  mais engajamento de Bolsonaro, segundo interlocutores. Muitos acham que o fato de ele ter  desembarcado em Petrópolis (RJ) para ver o estrago das chuvas logo depois de ter retornado da viagem a Moscou, no mês passado, renderam pontos ao presidente. A ideia é fazer com que, se algo de magnitude semelhante acontecer, Bolsonaro faça o  mesmo gesto.

Dilema  Ricardo Ismael, cientista político e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de  Janeiro (PUC-Rio), defende que Bolsonaro terá de conviver esse ano com o dilema de manter sua base fiel e, ao mesmo tempo, tentar sair da bolha para buscar eleitores. “Talvez esse público bolsonarista raiz, no patamar de  20% a 25% da intenção de votos, tenha condições de levá-lo ao segundo turno. Mas é insuficiente  para assegurar a reeleição. O dilema é o de começar a falar com outros grupos, como, por exemplo, os insatisfeitos com a gestão na pandemia e tentar diminuir a rejeição. É uma tarefa difícil,  mas ele ainda tem tempo”, analisa.

O cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice, reforça que o governo pretende dar destaque às medidas que foram  implementadas para contornar a pandemia, como o Auxílio Emergencial, a compra das vacinas, além da  ajuda a vários setores da economia como aviação e eventos. “Bolsonaro vai tentar mostrar esse  lado da ação, dizer que não ficou parado. Essa é a principal estratégia: dizer que adotou todas  as medidas necessárias para amenizar as consequências da pandemia no dia a dia das pessoas”,  observa.

Na análise do cientista político André Rosa, um Bolsonaro mais light perderia uma quantia  considerável de votos dos eleitores fiéis à sua linha de discurso. “Isso traz mais perdas do que  ganhos, pois soará aos eleitores bolsonaristas que foram usados como massa de manobra do  presidente.” Rosa salienta que, se o presidente mantiver coeso o núcleo dos eleitorado que  tem, “poderá utilizar os recursos que estar de posse da máquina pública agrega”.

“E, desse ponto, ele tem condições de tentar agregar os votos dos indecisos. Ao mesmo tempo, terá  a possibilidade de desidratar os vários candidatos que se apresentam como representantes da  terceira via”, destaca, deixando claro que é o discurso radical que garantirá a Bolsonaro a polarização capaz de colocá-lo no segundo turno. (Ingrid Soares com colaboração de Fabio Grecchi)