O Estado de São Paulo, n. 46677, 04/08/2021. Política p.A8

 

Para juristas, ações do TSE podem tirar presidente da eleição

Weslley Galzo

 

As medidas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra os ataques do presidente Jair Bolsonaro à lisura da urna eletrônica, condicionando a disputa de 2022 ao voto impresso, podem atrapalhar seus planos políticos. Segundo juristas ouvidos pelo Estadão, o inquérito administrativo e a notícia-crime apresentados anteontem pelo TSE têm potencial para torná-lo inelegível se ele for responsabilizado criminalmente. A depender do desfecho do caso, uma eventual candidatura à reeleição corre o risco de ser contestada na Justiça Eleitoral.

Para o ex-presidente do TSE Carlos Velloso, o tribunal agiu para fazer o que lhe cabia. "Se há notícias falsas, há práticas de crime. É muito importante o inquérito administrativo e tudo pode ocorrer nesse processo, inclusive ações de inelegibilidade. Será necessário apresentar as provas da alegada ocorrência de fraude no sistema de votação eletrônico", afirmou Velloso. "Tudo isso constitui uma reação justa e natural aos ataques injustos ao sistema eleitoral e à Justiça Eleitoral", disse ele, que comandou o processo de criação da urna eletrônica.

Na avaliação da professora Isabel Veloso, Fgv-direito Rio, ações como essas podem comprometer uma candidatura. Ela observou, porém, que pode não haver tempo hábil, já que não há prazos determinados para as etapas da investigação. "Por ora, é possível que (as medidas do TSE) funcionem tão somente como 'enforcement', para que Bolsonaro pare de propagar fake news, o que já seria positivo para o processo democrático", afirmou Isabel.

Ao apresentar notícia-crime contra Bolsonaro, o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, pediu que ele seja investigado por "possível conduta criminosa" no inquérito das fake news, conduzido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

Barroso citou como justificativa live na qual Bolsonaro admitiu não ter provas de fraudes no sistema eleitoral. Mesmo assim, usou a estrutura do Palácio da Alvorada para exibir vídeos antigos e informações falsas contra a urna eletrônica. O uso do aparato estatal na cruzada contra o modelo de eleições também é um dos pilares do inquérito administrativo aberto a pedido do corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luís Felipe Salomão. 

 

'Abuso'. Para o professor de Direito Constitucional da Fgvdireito Rio Wallace Corbo, o TSE tem os meios necessários para cassar o registro da candidatura de Bolsonaro e remeter a ação ao Ministério Público Federal para instauração de processo disciplinar ou ação penal, caso sejam constatadas ações de abuso de poder político e econômico. "A Justiça Eleitoral é a responsável por assegurar a realização de eleições limpas e por apurar infrações ao processo eleitoral. Para isso, o tribunal vai investigar se houve abuso de poder político e econômico do presidente. Se ficar constatado que houve isso, pode implicar inelegibilidade do presidente da por oito anos", afirmou.

 

PASSO A PASSO

Pedidos

Inquérito

O pedido de inquérito administrativo contra o presidente Jair Bolsonaro foi apresentado pelo corregedor-geral da Justiça Eleitoral e aprovado durante uma sessão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Notícia-crime

O TSE também pediu a inclusão de Bolsonaro em outra investigação, a das fake news, que tramita no Supremo. O relator deste inquérito no STF é o ministro Alexandre de Moraes. 

 

Focos da investigação

Inquérito

A investigação vai apurar ataques ao sistema eleitoral e ameaças às eleições — e se o presidente cometeu abuso de poder político econômico, propaganda eleitoral extemporânea, uso indevido dos meios de comunicação social, fraude e corrupção

Notícia-crime

Se o presidente for incluído no inquérito, ele passa a ser investigado por disseminação de noticias falsas. Aliados bolsonaristas já são alvo dessa investigação sob suspeita de atuarem para desacreditar instituições. 

 

Trâmites

Inquérito

O processo correrá sob sigilo. Serão deferidas medidas cautelares para colheita de provas, com oitivas de pessoas e autoridades, inclusão de documentos e realização de perícia. O presidente pode, eventualmente, ser convocado para depor em respeito ao direito de defesa.

Notícia-crime

Haverá colete de provas e a realização de outras diligências para apurar se o presidente da República cometeu crime ao realizar trans-missão ao vivo em que prometia apresentar provas de fraude nas eleições de 2014 e 2018.

 

Julgamento/ relatório

Inquérito

Em caso de reunião de provas que constatem crime do presidente da República contra o sistema eleitoral um julgamento será realizado para definir a pena. Caso não haja elementos para provar que Bolsonaro cometeu crime, o inquérito é arquivado.

Notícia-crime

Em caso de constatação de crime, um relatório é encaminhado ao procurador-geral da República, Augusto Aras, a quem caberá apresentar uma denúncia formal contra Bolsonaro a ser aprovada pela Câmara.

 

Pena/ denúncia

Inquérito

Como punição, o TSE poderá tomar o presidente inelegível por 8 anos, como manda a Lei Complementar no 64 de 1990. Também podem ser aplicadas multas ou outras medidas mais brandas.

Notícia-crime

Em caso de aprovação da denúncia pela Câmara, o presidente passa a responder na esfera criminal e será julgado pelo STF. Audiências são realizadas até uma decisão dos ministros.

 

Esfera criminal/ destituição

Inquérito

Se decidir tomar o presidente da República inelegível, o TSE pode optar por encaminhar os autos do processo ao Ministério Público Federal (MPF) para que Bolsonaro seja investigado também na esfera criminal

Notícia-crime

Caso os ministros julguem Bolsonaro culpado, o presidente será destituído de suas funções na Presidência da República e ficará inelegível por 8 anos, além da possibilidade de outras penas).

 

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Investigação é ampla e pode impactar 2022

 

ANÁLISE: Michael Mohallem

 

A investigação aberta pela Justiça Eleitoral contra Bolsonaro é uma novidade importante. O inquérito administrativo no TSE abre novo flanco de enfrentamento jurídico em instituição que pode inviabilizar sua tentativa de reeleição.

Se a via da PGR para investigar crimes comuns parece estar obstruída pela fidelidade do procurador-geral e a via da Câmara dos Deputados para apurar crimes de responsabilidade sempre mais improvável com a adesão completa do PP ao governo Bolsonaro, o caminho da Justiça Eleitoral pode se tornar oportuno para assuntos de sua competência.

O inquérito no TSE se assemelha ao inquérito das fake news no STF – a fundamentação jurídica de abertura é, inclusive, a mesma. Ambas são investigações atípicas por serem abertas de ofício e dependerão de outros atores para produzirem resultados jurídicos definitivos. Os inquéritos, porém, têm escopos bastante amplos e podem revelar fatos ou produzir provas robustas que constranjam a ação até mesmo do PGR, sabidamente aliado do presidente. Os inquéritos podem conter o presidente enquanto estão abertos, mas também podem oferecer provas para processos judiciais que deles derivem.

O horizonte de investigação do TSE é amplo. Buscará evidências que vão do abuso do poder político até corrupção, sem deixar de avaliar se o presidente fez uso indevido dos meios de comunicação. E para isso poderá realizar perícias, ouvir autoridades e quebrar sigilos, dentre outras medidas. Mas cada evidência produzida só terá utilidade no seu respectivo foro.

Caso o corregedor do TSE produza provas de crimes ou abusos na esfera eleitoral, caberá ao MP Eleitoral iniciar processo, agora ou no período eleitoral de 2022, cujo resultado poderá ser a inelegibilidade de Bolsonaro. É possível que até seus maiores aliados políticos hoje vejam com bons olhos essa medida que abriria caminho definitivo para uma nova força eleitoral do campo conservador.