O Estado de São Paulo, n. 46677, 04/08/2021. Política p.A10

 

Miranda: Pazuello citou pressão de Lira

 

Lauriberto Pompeu

Julia Affonso

O deputado Luis Miranda (DEM-DF) acusou o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al), de ter ameaçado pedir a demissão do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, caso ele não liberasse verbas para emendas de parlamentares.

A afirmação foi feita em depoimento à Polícia Federal, na semana passada, no inquérito que investiga se o presidente Jair Bolsonaro prevaricou ao não pedir investigação após ser informado por Miranda de suposto esquema de corrupção envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin.

O deputado já havia mencionado o episódio, em 12 de julho, no programa Roda Viva, da TV Cultura, mas, na ocasião, ficou em silêncio quando questionado sobre o envolvimento do presidente da Câmara.

À PF, Miranda disse ter ouvido de Pazuello que havia “sacanagem” no Ministério da Saúde desde sua chegada à pasta, e que no ano passado sofreu “uma pressão tão grande” que não sabia como resolver. A informação foi revelada pelo jornal O Globo e confirmada pelo Estadão.

Miranda relatou ter perguntado quem era o “cara” que o teria pressionado. Pazuello teria respondido, na versão do deputado: “Arthur Lira botou o dedo na minha cara e falou assim: ‘Eu vou te tirar dessa cadeira’. Porque eu não quis liberar a grana para listinha que ele me deu dos municípios, lugares que ele queria que recebessem. Ele bota o dedo na minha cara”.

Miranda também declarou ter questionado Pazuello se Bolsonaro sabia da pressão. “Ele disse: ‘Lógico que o presidente sabe, falei para o presidente’”. Miranda relatou à PF que, diante de sua reação de espanto, o general teria respondido: “Luis, eu não duro essa semana, eu tô fora. Eles vão me tirar, cara. O cara falou que vai me tirar”. Ainda segundo o deputado do DEM, o ex-ministro afirmou que a pressão de Lira estava relacionada ao “pixulé” – uma referência a propina.

Ao deixar o Ministério da Saúde, em março, Pazuello ligou a sua demissão a um “complô de políticos” interessados em verbas públicas e “pixulé”. Na ocasião, ao se despedir do cargo, o general disse que desagradou a interesses ao não distribuir recursos com base em critérios políticos.

Afirmou que recebeu uma lista de municípios que deveriam ser priorizados, mas não detalhou de onde partiram essas pressões. Disse, ainda, que não atendeu aos pedidos. Pazuello comandou a Saúde entre 16 de maio do ano passado e 23 de março deste ano. 

 

‘Foro adequado’. Em nota, Lira afirmou que “as declarações dadas pelo deputado Luís Miranda devem ser respondidas pelo ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello”. “Sobre as demais informações propagadas, o deputado deverá responder no foro adequado, que é o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados.”

Pazuello, que hoje é secretário de Estudos Estratégicos da Presidência da República, negou ter sofrido “qualquer pressão” do presidente da Câmara durante sua gestão no Ministério da Saúde, “para disponibilizar recursos em atendimento a demandas do parlamentar”.

 

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'Eu tenho culpa', diz reverendo à CPI da Covid

 

O reverendo Amilton Gomes de Paula chorou na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid e pediu perdão por ter participado da negociação de vacinas com o Ministério da Saúde, classificando os contatos como "operação da vacina". Em depoimento, ele negou ter relações com integrantes do governo federal e afirmou ter sido "usado" para facilitar o acesso da empresa Davati Medical Supply à pasta do governo.

O reverendo foi chamado para a CPI após ter sido apontado como intermediador da empresa com o Ministério da Saúde. A Davati ofertou vacinas ao governo federal sem comprovar a capacidade de entrega de doses nem ter aval da Astrazeneca, fabricante do imunizante oferecido pela companhia. Amilton declarou que facilitou o acesso da empresa no ministério por "missão humanitária", e admitiu que esperava receber uma doação para a Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), organização fundada por ele, após o fechamento do contrato.

Durante o depoimento, o reverendo chorou ao responder a uma pergunta do senador Marcos Rogério (DEM-ROS), que é presbítero da Assembleia de Deus. Aliado de Bolsonaro, Rogério pediu para que o reverendo fizesse um mea-culpa e revelasse a verdade. "Eu queria vacina para o Brasil. Eu tenho culpa, sim. Hoje de madrugada antes de vir pra cá eu dobrei os meus joelhos, orei, e aí eu peço desculpa ao Brasil. O que eu cometi não agradou primeiramente aos olhos de Deus", disse.

Na sequência, o presidente da CPI, Omar Aziz, questionou o reverendo sobre o que ele estaria arrependido. "É tudo Fanta, aquela Fanta Laranja que você toma, que não tem gosto de laranja, mas é Fanta. Então, o senhor agora chorou e se arrepende. O senhor chorou e se arrependeu do quê?", questionou Aziz. O reverendo respondeu em seguida: "De ter estado nessa operação das vacinas."

Anteriormente, o reverendo afirmou que havia sido usado. Ele encaminhou ao Ministério da Saúde uma oferta da Davati para compra de 400 milhões da Astrazeneca, em março. O valor da dose mudou de US$ 10 para US$ 11 nesse período, de acordo com ele. Os senadores suspeitam que esse aumento está relacionado a um suposto pedido de propina de 1 dólar pelo ex-diretor de Logística do ministério Roberto Dias, que foi preso na CPI e nega as acusações. "Entendemos que fomos usados de forma odiosa para fins espúrios e que desconhecemos", disse o reverendo.

Amilton de Paula apresentou uma versão diferente dos diálogos com o policial militar Luiz Paulo Dominghetti Pereira, que tentou vender as vacinas para o ministério. O reverendo afirmou que usou uma "bravata" ao demonstrar prestígio com o governo federal nas conversas com Dominghetti, reveladas pela CPI. Ele negou proximidade com o presidente Jair Bolsonaro ou com a primeiradama, Michelle, e alegou que mentiu ao falar que estava em contato "com quem manda".

Os senadores questionaram a versão do reverendo, que não teria credenciamento para conseguir três agendas no Ministério da Saúde e demonstrar relações com autoridades do Executivo nas negociações por vacina. Um dos exemplos citados foi a ligação do reverendo com o advogado Aldebaran Luiz Von Holleben, que diz ser a reencarnação do Super Homem, herói de quadrinhos e do cinema. "O senhor não é vítima aqui, o senhor participou de um grande enredo. Sua missão é muito maior do que proteger pessoas que brincaram com a vida dos outros", afirmou o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM).

 

Espionagem. A CPI aprovou ontem 129 requerimentos de convocação e quebra de sigilos e adiou o que pedia para ouvir o ministro da Defesa, Braga Netto. O senador Rogério Carvalho (PT-SE), opositor do governo Bolsonaro, acusou ontem ministro de mandar oficiais do Exército para espioná-lo.

O ministro telefonou para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para desmentir a acusação com o argumento de que espionagem não é sua prática nem do Ministério da Defesa. Na CPI, o petista disse que um amigo o convidou para uma conversa e lhe relatou que "um coronel da reserva acompanhado de um oficial da ativa" foram para Sergipe "bisbilhotar" sua vida "para saber o que é que podia ter para usar" contra ele.

"Eu quero dizer ao sr. Braga Netto que eu não tenho medo, que eu não abrirei mão das minhas convicções, que eu entrego a minha vida pela causa que eu defendo, que ninguém vai me intimidar", disse o senador. / DANIEL WETERMAN, AMANDA PUPO e J.A.