O Estado de São Paulo, n. 46677, 04/08/2021. Economia p.B1

 

'Pagarei assim que puder', afirma Guedes sobre precatórios; mercado vê risco fiscal

 

Fabrício de Castro

Francisco Carlos de Assis

Para defender o pagamento parcelado e refutar a percepção de calote nos precatórios – valores devidos após sentença definitiva na Justiça –, o ministro da Economia, Paulo Guedes, usou ontem uma expressão popular. “Devo, não nego; pagarei assim que puder”, disse. As palavras, em vez de acalmar investidores, ampliaram os temores, e o dólar subiu 0,53%.

Guedes defendeu a proposta desenhada pelo governo, de honrar de imediato apenas os precatórios de até R$ 66 mil, como antecipou o Estadão.

A ideia é criar uma regra transitória até 2029 que vai atrelar o pagamento dessas dívidas. No total, tudo terá de ficar limitado a 2,6% da receita corrente líquida. Sempre que ultrapassar esse porcentual, os precatórios até 60 salários mínimos ficarão a salvo de parcelamento (R$ 66 mil), mas os maiores poderão ser pagos em prestação. Na prática, em 2022 isso atingiria aqueles acima de R$ 455 mil.

Já os precatórios superiores a dez salários mínimos (R$ 66 milhões) entrariam numa regra permanente: já nasceriam parcelados em até 10 anos, sendo 15% do total no primeiro ano.

A fala do ministro reavivou os temores de deterioração das contas públicas. Os receios dos investidores são alimentados pelo debate sobre o pagamento de precatórios e sobre o reajuste do Bolsa Família – sob a perspectiva de o governo rever o teto de gastos, com ambições eleitorais. Ambas as discussões pautaram os negócios no mercado de câmbio no pregão de ontem, em mais um dia de volatilidade. Na maior parte do pregão, a moeda operou acima de R$ 5,20, chegou a R$ 5,2746 e fechou o dia a R$ 5,1927.

“No momento, vivemos ainda auxílio emergencial mais baixo, mas estamos aqui ultimando esforços e estudos no sentido de dar aumento de, no mínimo, 50% para o Bolsa Família, podendo chegar até 100% em média”, prometeu ontem o presidente Jair Bolsonaro, em entrevista à TV Asa Branca, de Pernambuco. Hoje, o valor médio do Bolsa Família é de R$ 190.

Em relatório assinado pelos economistas Fabio Ramos e Alexandre de Azara, do UBS BB, a instituição observa que o “debate sobre o Orçamento para 2022 começou no Brasil e, apesar da desaceleração da pandemia e de menos ruído político, a discussão sobre desembolsos em ano eleitoral está ficando mais quente, rapidamente”.

O texto chama a atenção para a “surpresa negativa que caiu em nosso colo”, quando Guedes comparou a um “meteoro” a possibilidade de um grande aumento de desembolsos para saldar precatórios, de cerca de R$ 90 bilhões em 2022, ante projeção de R$ 45 bilhões se mantido o ritmo de anos anteriores.

Para Alexandre Netto, da Acqua-vero Investimentos, o encaminhamento da questão dos precatórios e o desejo de aumento do Bolsa Família acima do que permite o teto atual passam a sensação de um governo “displicente” com a questão fiscal. E o risco de deterioração das contas públicas deve aumentar cada vez mais, à medida que se aproximam as eleições de 2022. “Bolsonaro parece disposto a sacrificar o fiscal se for para garantir a sua reeleição, enquanto Lula já disse que vai acabar com o teto de gastos. Isso tudo pressiona a moeda”, diz.

O diretor da NGO Corretora de Câmbio, Sidnei Nehme, afirma que os “sinais internos sugerem que a cena política fará os fundamentos econômicos sucumbirem”, o que aumenta a volatilidade e impede que a taxa de câmbio vá para um nível compatível com os juros internos.

 

Mudança de regras. De acordo com a assessoria do Ministério da Economia, do total de 264.717 precatórios a serem pagos em 2022, 8.818 seriam parcelados (os acima de R$ 455 mil) caso a proposta com essas regras seja aprovada, o que representa 3% do total. Juntos, representam 63,3% do valor total devido pela União.

A expectativa do governo é que a mudança resulte em economia de R$ 41,5 bilhões. 

 

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Lira descarta calote, mas diz que não dá para quitar tudo

 

O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al), disse que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite o parcelamento de precatórios em até dez anos não representa um calote da União. Segundo ele, é preciso modular esses pagamentos para evitar que haja um "estrago" nas contas públicas.

Lira negou ainda que o objetivo da PEC seja abrir espaço no Orçamento para elevar o valor médio pago por meio do programa Bolsa Família para R$ 400. "Não há nenhuma possibilidade de calote, mas é impossível se pagar R$ 90

bilhões (previsão do volume dessas despesas para 2022) sem atingir o teto", afirmou, em referência à regra que atrela o crescimento das despesas à inflação. "Não queremos romper o teto, e o Brasil não pode dar calote."

Lira disse que a média de precatórios pagos saltou de R$ 13 bilhões, há cinco anos, para um valor previsto de R$ 90 bilhões em 2022. "Isso engessa e faz um estrago nas contas públicas", disse. Segundo o presidente da Câmara, a reformulação do Bolsa Família virá por meio de medida provisória e respeitará o teto de gastos, "com valor planejado em torno de R$ 300". "Não houve conversa de R$ 400." 

 

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Estados articulam ofensiva para barrar parcelamento

 

De R$ 89 bi em dívidas previstas no Orçamento, pelo menos R$ 16,6 bi têm governos estaduais como credores

Adriana Fernandes

Idiana Tomazelli

 

Os Estados se mobilizam numa ofensiva no Congresso para evitar o parcelamento dos precatórios devidos pela União, medida defendida pela equipe econômica para garantir a ampliação do programa Bolsa Família no ano que vem. Dos R$ 89 bilhões em dívidas judiciais previstas no Orçamento de 2022, pelo menos R$ 16,6 bilhões têm governos estaduais como credores.

Para os Estados, a PEC dos precatórios e o projeto que altera o Imposto de Renda são duas frentes lançadas pelo governo federal que fragilizam as contas dos governos regionais, com perda de arrecadação.

Por trás desse imbróglio, há um cálculo político do governo de não querer encher o caixa de governadores adversários do presidente Jair Bolsonaro em ano de eleição, sobretudo no Nordeste. Integrantes do governo têm lançado a suspeita de que o valor elevado faria parte de uma conspiração política do Judiciário para beneficiar esses opositores do presidente.

Parlamentares que admitem resistência à medida relembram que o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, é defensor do lema “menos Brasília, mais Brasil”. Para esse grupo, barrar o pagamento integral dos precatórios aos Estados vai contra o “pacto federativo” apregoado pelo próprio chefe da equipe econômica.

A maior parte do dinheiro devido aos Estados vem de uma decisão do Supremo Tribunal que condenou a União a ressarci-los pelo cálculo incorreto do Fundef, fundo para o desenvolvimento do ensino fundamental e valorização do magistério que vigorou até 2006. Para 2022, foram expedidos precatórios para Bahia, Pernambuco, Ceará e Amazonas .

Outros Estados têm valores a receber, mas ainda não foram contemplados. Estão na fila Maranhão, pendente de recurso, e Pará, que não obteve a expedição de precatório para 2022.

O secretário da Fazenda de Pernambuco, Décio Padilha, disse ao Estadão que o parcelamento não vai prejudicar só aqueles Estados e municípios que têm a receber precatórios agora, mas todos que estão na fila para receber nos próximos anos ou ganharem sentenças no futuro.