O Globo, n. 32766, 23/04/2023. Economia, p. 17

Uma zagueira de Haddad que prefere qualidade a corte de gastos

Geralda Doca


De volta ao 6º andar do Ministério do Planejamento onze anos depois de sua passagem pelo governo Dilma Rousseff, Esther Dweck, agora ministra de Gestão e de Inovação em Serviços Públicos, faz parte do time da economia do governo Lula. Torcedora do Flamengo, ela joga na posição de zagueira do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. E, na avaliação de olheiros, teve bom desempenho na primeira rodada do campeonato do arcabouço fiscal. Nos grupos de WhatsApp de parlamentares petistas e de economistas ligados ao PT, a participação de Esther na elaboração do marco fiscal ajudou a reduzir o poder do “fogo amigo”.

As pessoas falavam que Esther não iria deixar sair um projeto que travasse o Estado brasileiro, segundo um interlocutor. Enviada ao Congresso Nacional na última terça-feira, a proposta amplia os gastos públicos, que desde 2017 eram limitados à inflação pelo teto de gastos. Esther estava presente na reunião no Palácio do Alvorada no fim do mês passado, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aprovou o arcabouço fiscal apresentado por Haddad. Ela estava sentada ao lado da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que vinha fazendo duras críticas ao ministro da Fazenda durante a elaboração do marco fiscal.

Discrição na vida pessoal

No governo, a ministra é vizinha de Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento, que atua mais no campo do controle de gastos. Com o desmembramento da pasta do Planejamento, as duas dividem o mesmo prédio: Esther no 6º andar e Simone no 7º. Apesar da divergência de pensamento, Tebet conta que a convivência entre as duas é harmônica no dia a dia. Os dois ministérios têm funções convergentes.

— Temos opiniões diferentes na economia, mas vejo muita unidade nas nossas pautas e conseguimos estabelecer uma boa relação de trabalho. Gestão, planejamento e orçamento são assuntos complementares. Também partilhamos da pauta de gênero, de políticas públicas eficientes para melhorar os serviços para o cidadão —diz Tebet. Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Esther é economista com perfil desenvolvimentista, como os que acreditam que gasto não é problema, mas solução. Em 2020, ela ajudou a organizar uma coletânea de estudos críticos ao teto de gastos, intitulada “Economia pós-pandemia: desmontando os mitos de austeridade fiscal e construindo um novo paradigma econômico no Brasil”.

A coletânea foi um prato cheio para os chamados economistas ortodoxos. Em linhas gerais, eles entendem que a ministra aposta em “soluções fáceis” para o Estado, que se resolvem por meio de aumentos de salários e do número de servidores. Um deles, que preferiu falar sob a condição de anonimato, entende que esse modelo de gestão é ultrapassado. O ideal, diz, seria focar em “eficiência e produtividade” no setor público, com “profunda revisão do modelo de carreiras”.

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, ao contrário, diz que Esther é brilhante e pensa “fora da caixinha”:

— O que mais admiro na Esther é a capacidade de duvidar. Ela não tem ideia fixa, como a maioria dos economistas —afirma Belluzzo. A ministra se licenciou da UFRJ, onde dava aulas no Instituto de Economia, para se dedicar ao novo cargo. Ela é casada com a professora Marília e tem uma filha de dois anos, Helena. Reservada, Esther evita falar da vida pessoal: só tocou no assunto na cerimônia de posse. Em Brasília, gosta de frequentar uma roda de samba com amigos e leva a filha quando é possível. Em fevereiro, ficou ilhada no litoral paulista por causa das fortes chuvas, tendo de ser resgatada por um helicóptero das Forças Armadas.

— Ela é jovem, tem 45 anos, gosta de samba, praia e churrasco — conta a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. As duas se tornaram amigas durante a transição de governo, no fim do ano passado. Ativista, Anielle conta que teve total apoio da colega na montagem do ministério e na realização de um sonho antigo, que foi a edição do decreto que reserva vagas no serviço público para pessoas negras.

—Como o serviço público é novidade para mim, falo muito com a Esther para tirar dúvidas. Ela entende muito da máquina pública, de Orçamento e tem bom coração —diz Anielle. No cargo há quatro meses, Esther reabriu a mesa de negociação com as centrais sindicais e concedeu reajuste linear de 9% para os servidores públicos, além da correção do vale-alimentação.

— Ela tem bom diálogo com as entidades sindicais, é a ministra certa para o lugar certo —afirma Valeir Ertle, secretário de Assuntos Jurídicos da CUT. A ministra trabalha na retomada dos concursos públicos, sob o argumento de que a máquina foi sucateada. O primeiro lote deve ser anunciado nos próximos dias, para a Funai e o Ministério da Educação, com foco em nível superior, a fim de atrair profissionais mais capacitados.

Críticas pelo inchaço

Críticos, no entanto, afirmam que o inchaço da máquina em outras gestões petistas piorou muito a qualidade do gasto governamental, devido ao aumento das despesas com pessoal, o que acabou forçando a aprovação de um teto para segurar a trajetória explosiva da dívida pública. Esther, porém, rebate:

— O fato de eu não ser a favor do corte de gasto como o teto impõe não significa que não me preocupe com a qualidade do gasto. Eu defendo uma revisão constante para melhorar as receitas. A ministra também preferiu deixar de lado a reforma administrativa, que chegou a tramitar no Congresso no governo anterior com o objetivo de atacar privilégios e salários elevados. Em vez de fazer uma ampla reforma, a ideia é enviar alguns projetos, com foco na melhoria da eficiência do serviço público, não no corte de gastos. Esther chegou ao Ministério do Planejamento em 2011, no início do primeiro mandato de Dilma Rousseff, tendo sido assessora econômica e secretária de Orçamento.

No começo do segundo mandato de Dilma, a hoje ministra participou da revisão dos gastos, o que resultou em regras mais duras no acesso ao seguro-desemprego, abono do PIS e seguro-defeso.

Mas Esther também é lembrada no episódio que resultou no impeachment de Dilma. Ele teve de responder a processo no Tribunal de Contas da União (TCU), sobre a edição dos decretos que resultaram nas pedaladas fiscais. O processo acabou arquivado por prescrição.