O Estado de São Paulo, n. 46680, 07/08/2021. Política p.A4

 

 

Plenário vai decidir sobre voto impresso, afirma Lira

Lauriberto Pomepu

Camila Turtelli

Anne Warth

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), decidiu levar para o plenário a discussão sobre o voto impresso, mesmo após a proposta ter sido derrotada por um placar de 23 a 11, anteontem, em comissão especial da Casa. Lira optou pela estratégia arriscada para agradar ao Palácio do Planalto, mas avisou Bolsonaro que, se o texto for rejeitado, não aceitará ruptura institucional.

Antes de anunciar a decisão, o deputado comunicou tanto Bolsonaro como o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux. Na conversa com o presidente da República, disse que, se a proposta for novamente rejeitada, não endossará nenhuma ação de ruptura institucional. Com bom trânsito no Supremo, que é alvo dos ataques de Bolsonaro, o novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, fez o mesmo alerta. Nos últimos dias a crise se agravou com o aumento dos ataques do chefe do Executivo, que chamou ontem o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, de "filho da p..." .

Em pronunciamento no início da noite, Lira disse que a disputa em torno desse tema "infelizmente já foi longe demais" e recorreu à figura do "botão amarelo" para mostrar que é avalista da democracia. "Não contem comigo para qualquer movimento que rompa ou macule a independência e a harmonia entre os poderes, ainda mais como chefe do Poder que mais representa a vontade do povo brasileiro", afirmou o presidente da Câmara. "O botão amarelo continua apertado. Segue com a pressão do meu dedo", disse. "Continuarei pelo caminho da institucionalidade, da harmonia entre os poderes e da defesa da democracia. O plenário será o juiz dessa disputa, que já foi longe demais."

A leitura política foi a de que, ao citar "botão amarelo", Lira fazia uma referência indireta à possibilidade de autorizar o impeachment, caso Bolsonaro tente dar um golpe. Diante da escalada retórica do presidente, que ameaçou "jogar fora das quatro linhas da Constituição" após ser incluído no inquérito das fake news, em tramitação no STF, Fux cancelou a reunião entre os poderes, que estava prevista para os próximos dias. Bolsonaro agora é investigado no inquérito conduzido pelo ministro do STF Alexandre de Moraes por espalhar informações falsas sobre o sistema eletrônico de votação e ameaçar as eleições. Para ele, há um "complô" do Judiciário com o objetivo de eleger o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas de intenção de voto.

"Pela tranquilidade das próximas eleições e para que possamos trabalhar em paz até janeiro de 2023, vamos levar a questão do voto impresso para o plenário, onde todos os parlamentares eleitos legitimamente pela urna eletrônica vão decidir", afirmou Lira, lembrando que todos ali haviam conquistado o cargo pelo atual sistema.

O deputado convocou a imprensa para ouvi-lo, mas não permitiu questionamentos. O Progressistas, partido de Lira e principal legenda do Centrão, se posicionou a favor do voto impresso na comissão especial, embora antes fosse contra. Mudou de opinião após Nogueira ser nomeado ministro da Casa Civil.

A proposta que institui o voto impresso deve ser votada no plenário da Câmara até a próxima quarta-feira. Para ser aprovado, o texto precisa de pelo menos 308 votos na Câmara e 49 no Senado, em duas votações. Trata-se de um quórum difícil de alcançar num cenário de crise.

"O que se avizinha é um reconhecimento de que a tese do presidente, de seus apoiadores e parlamentares, a princípio será vencida. Sendo vencida, todos aqueles que foram vitoriosos e derrotados haverão de respeitar, porque isso é democrático", afirmou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). "O que não podemos é questionar, a pretexto disso, a lisura e legitimidade das eleições de 2022."

 

'Meio-termo'. Uma das sugestões analisadas pelo governo para diminuir as resistências à proposta é retirar o trecho que estabelece a análise de 100% dos votos impressos, o que representaria o retorno da contagem manual. Deputados do Centrão dizem que a auditoria deverá ser por amostragem, sem especificar, no entanto, como se daria esse processo. "Tem pressões do Judiciário que se refletem nos partidos. O ideal é um meiotermo", disse ao Estadão o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR).

Na avaliação de dirigentes de partidos, não há clima para aprovar a proposta no plenário, embora o voto impresso já tenha passado pelo crivo da Câmara em 2015 e haja uma PEC nesse sentido parada no Senado. "Quanto mais Bolsonaro eleva o tom, menos provável se torna a aprovação de uma matéria como essa, porque fica muito evidente que está havendo muito exagero", disse o presidente do DEM, ACM Neto. "Agora, Bolsonaro vai perder de goleada", afirmou o deputado Paulo Pereira da Silva (SP), o Paulinho da Força, que comanda o Solidariedade.

Para o líder da Oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSBRJ), a decisão de Lira representa um "grave erro", que vai aumentar a tensão política. "Ele está permitindo o avanço da escalada golpista de Bolsonaro."

 

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'Não há evidência de fraude em eleições', dizem peritos da PF

 

A Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais defendeu ontem a urna eletrônica, ressaltando seu "êxito" e avanços, entre eles "o afastamento dos riscos decorrentes do voto em cédula". Em nota, a entidade afirmou que, até agora, "não foi apresentada qualquer evidência de fraudes em eleições". Os peritos participam dos testes públicos de segurança promovidos pelo TSE. "O tema do registro impresso exige um debate longo, maduro e científico, sem descontextualizações que objetivem sustentar teorias não comprovadas."

 

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A apoiadores em SC, Bolsonaro xinga Barroso

 

O presidente Jair Bolsonaro xingou ontem o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, de "filho da p...", diante de apoiadores em Joinville (SC). A fala foi registrada durante transmissão ao vivo no perfil do presidente no Facebook. O trecho da live com a declaração foi apagado, mas um fragmento de nove segundos de vídeo viralizou nas redes sociais e foi compartilhado por perfis como o do senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) e do Movimento Brasil Livre (MBL).

"Eu não paro para bater boca, não me distraio com miudezas. O meu universo vai bem além do cercadinho", disse Barroso ao ser questionado sobre a declaração. "Sou um ator institucional, não sou um ator político. Portanto, não tenho interesse nem cultivo polêmicas pessoais. A conquista e a preservação da democracia foram as grandes causas da minha geração e é a isso que eu dedico a minha vida", afirmou .

Além de condicionar a realização das eleições de 2022 ao voto impresso, Bolsonaro transformou o conflito com o Judiciário em rixa pessoal com Barroso. O TSE abriu um inquérito para investigar o presidente por acusações infundadas contra as urnas eletrônicas.

Em discurso a políticos e empresários na cidade catarinense, Bolsonaro afirmou que harmonia "é o que menos existe" entre os poderes e voltou a defender o voto impresso. "Não exijo que acreditem em mim", disse sobre suas falas contra o sistema eleitoral. "Quero e desejo eleições limpas e democráticas, sem que meia dúzia de pessoas sem compromisso com a liberdade contem nossos votos em uma sala escura. Sem eleições limpas, (a de 2022) já é uma fraude."

O presidente também afirmou, incorretamente, que apresentou provas de fraudes em eleições, quando citou investigação da Polícia Federal, cuja conclusão não indica irregularidades no pleito. "A alma da democracia é o voto, e o que alguns poucos querem é eliminar o voto. Faz de conta que foram votados, mas eles é que vão contar. Provas de fraude temos."