O Estado de S. Paulo, n. 46655, 13/07/2021. Economia, p. B3

BC vê cenário 'perigoso' para inflação

Eduardo Rodrigues
Fabrício de Castro


O diretor de Política Monetária do Banco Central, Bruno Serra, disse ontem que o atual momento é "perigoso" para a inflação, com o setor de serviços voltando a funcionar após o fim parcial das restrições impostas pelos governos locais para combater a pandemia, e ainda em meio a uma pressão de preços em produtos, como alimentos.

Em videoconferência organizada pelo banco Santander, Serra lembrou que o surto de covid-19 derrubou a demanda por serviços em 2020, enquanto os governos tomaram medidas para recompor a renda da população. "Um porcentual maior da renda das famílias passou a ser direcionado para consumo de bens, em termos globais. Quando você está impedido de consumir serviços, mesmo que se poupe uma parte desses recursos, o choque na demanda por bens é enorme. O consumo de bens subiu muito rápido", explicou.

O setor de serviços é o que possui o maior peso na economia brasileira e tem sido também o mais prejudicado pela pandemia do coronavírus, por maior dependência de atividades presenciais.

Segundo o diretor do BC, a grande questão será como se dará a dinâmica de preços na abertura da economia pós-pandemia. "Talvez os próximos meses sejam o momento mais difícil de condução da política monetária (a calibragem da taxa de juros para o controle da inflação). Com a recuperação da economia, a renda disponível está dada. E, com a retomada do consumo de serviços, é importante saber se a demanda por bens vai desabar", completou.

Desde o começo da pandemia, em março do ano passado, a inflação oficial acumulada medida pelo IPCA foi de 7,39%. Para as famílias com renda de até cinco salários mínimos, porém, o índice medido pelo INPC foi maior, de 8,57%, como mostrou reportagem do Estadão.

O primeiro grande choque foi a alta do preço dos alimentos. Base da alimentação do brasileiro, o arroz disparou 76% no ano passado e o feijão preto subiu 45%. A alimentação em domicílio ficou 18% mais cara. Após a pressão em alimentos e combustíveis, energia e serviços são as atuais ameaças inflacionárias.

"Ainda assim, a renda disponível não vai dar saltos adicionais daqui para frente. Se houver direcionamento de renda ao setor de serviços, a não ser que se consuma essa poupança acumulada muito rápido, provavelmente haverá redução de demanda em bens", disse Serra.

Pressão fiscal. O diretor do BC reforçou ainda que o balanço de riscos para a inflação continua pesando desfavoravelmente por causa da sustentabilidade das contas públicas. "O fiscal ainda é uma espada, um risco muito grande no cenário básico. A pressão fiscal é grave e uma preocupação para a trajetória futura de inflação", disse.

No mês passado, o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou pela terceira vez consecutiva a Selic em 0,75 ponto porcentual, para 4,25% ao ano. O colegiado indicou um novo ajuste de mesma magnitude ou ainda maior da Selic na próxima reunião, em agosto.

O diretor lembrou que o Copom passou a considerar no balanço de riscos que uma possível reversão, ainda que parcial, do aumento recente nos preços das commodities internacionais (produtos básicos, como alimentos, petróleo e minério de ferro) produziria trajetória de inflação abaixo do cenário básico.

"Não acho que vivemos um ciclo estrutural de commodities. Mesmo que haja um componente estrutural, o ajuste não seria nessa velocidade. Na minha opinião, três quartos do choque de commodities devem ser conjunturais. Por isso, se o choque de commodities se reverter, pode jogar a inflação bem para baixo."

Mais uma vez, ele garantiu que a instituição está comprometida com o centro da meta de inflação para 2022, de 3,5%. "Qualquer desancoragem das projeções preocupa. Vamos fazer o que for necessário para trazer a inflação para o centro da meta no horizonte relevante. Não temos nenhum compromisso diferente, o compromisso é para acertar", declarou Serra.