O Globo, n. 32767, 24/04/2023. Política, p. 4

Imagens do Planalto



Imagens do circuito interno do Palácio do Planalto mostram que a sede do governo federal passou mais de uma hora sob poder dos manifestantes golpistas no dia 8 de janeiro, antes de a força policial começar a esvaziar o prédio e efetuar as prisões. As gravações também revelam tensão entre ministros do governo Luiz Inácio Lula da Silva horas depois da invasão e as falhas de segurança em série que fizeram o prédio ser vandalizado.

Os vídeos foram liberados por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na sexta-feira, e vieram a público no sábado após ele tirar o sigilo das imagens. São mais de 500 horas de gravação. A invasão do Planalto ganhou nova repercussão ao ser divulgado um trecho do circuito interno, até então inédito, que mostrava o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Gonçalves Dias circulando entre os golpistas. Após a divulgação das imagens, na quarta-feira, Dias se demitiu.

A invasão ao Planalto se concretiza por volta das 15h20m. Enquanto os manifestantes golpistas se dirigem ao Palácio, é possível contar um grupo de cerca de dez policiais formando um escudo no meio da pista de descida da Esplanada dos Ministérios, que dá acesso ao prédio. Logo depois, o efetivo se desloca para a lateral e joga gás lacrimogênio na pista, na tentativa frustrada de segurar os manifestantes.

Dez minutos depois, os alambrados que cercam o Planalto estão no chão e não há mais imagens de policiais na guarita, totalmente liberada aos manifestantes.

Na entrada principal do prédio, outras imagens mostram que, após serem pressionados pelos manifestantes, os policiais recuaram e deixaram a principal portaria livre por quase uma hora. O Palácio do Planalto é tomado por golpistas, dando sequência a imagens de vandalismo e destruição, que só começa a ser controlado mais de uma hora depois.

Área restrita

Os golpistas circularam por pelo menos uma hora dentro da antessala e no gabinete da Presidência da República sem que as forças de segurança impedissem o acesso à área restrita. Os registros mostram que extremistas voltaram ao local mesmo após o agora exministro do GSI ter constatado a violação da porta de vidro que dá acesso ao gabinete e os atos de vandalismo.

À noite, o presidente Lula ficou por uma hora no Planalto. Ele chegou de carro ao palácio às 21h24m e subiu direto para a sua sala no terceiro andar, que não havia sido acessada pelos invasores. Lula então percorre o gabinete presidencial, que tinha sido invadido. Em frente ao gabinete, o presidente aponta para um equipamento de combate a incêndio que tinha sido danificado pelos invasores e demonstra indignação.

Lula indignado

Durante a sua inspeção, Lula vistoriou locais atacados e conversou com assessores e ministros. As imagens também mostram o ministro da Justiça, Flávio Dino, exaltado durante uma conversa com o colega José Múcio, da Defesa.

Minutos depois de Lula deixar o gabinete, Dino aparece visivelmente irritado ao conversar com Múcio. Depois disso, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, se junta ao grupo e também sinaliza incômodo. Costa chega a puxar Dino pelo braço e levá-los para outro local. Procurados, os ministros não quiseram comentar ontem o teor da conversa. Lula deixou o Palácio de carro às 22h23m.

Em depoimento à Polícia Federal (PF) na sexta-feira, o general Dias afirmou que as forças de segurança trabalharam, após a invasão, para evacuar os terceiro e quarto andares. O objetivo, segundo ele, era retomar a área e efetuar as prisões no segundo pavimento, onde fica o Salão Nobre.

As gravações liberadas mostram que só houve um esforço coordenado para retirar os golpistas de vários locais do palácio a partir de 16h24m, o que de fato resultou no deslocamento de pessoas para o segundo andar. Lá, por volta das 17h15m, as forças de segurança agem para prender os apoiadores de Jair Bolsonaro.

Várias câmeras que registraram a movimentação dos golpistas falharam ou foram quebradas ao longo da ação. Após os vídeos com a movimentação do ex-ministro serem divulgados pela CNN Brasil, Dias foi questionado pela PF por que não havia feito nenhuma prisão. Ele foi flagrado caminhando entre os golpistas, o que gerou críticas até entre aliados e resultou em sua demissão. A crise também tornou inevitável a instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre os atos antidemocráticos, proposta pela oposição e, até então, evitada pelo governo. Agora, ministros e base de Lula defendem o colegiado até para buscar todos os responsáveis pelo vandalismo aos prédios do Três Poderes. A CPMI deve ser aberta esta semana.

As imagens divulgadas mostram ainda várias cenas inéditas da atuação dos golpistas. É possível indentificar o capitão do Exército José Eduardo Natale de Paula conversando com manifestantes dentro do Palácio. Ele ganhou evidência por ter sido filmado, em outro momento, distribuindo água aos manifestantes. À PF, disse que se tratava de uma técnica de gerenciamento de crise. Entre as 16h09m e as 16h18m, Natale aparece cinco vezes em diferentes pontos no mezanino, sempre conversando com golpistas. Em um desses momentos, ele bebe água e segue um manifestante, que parece indicar a ele o caminho.

Os nove militares, com exceção do general Gonçalves Dias, que aparecem nas novas imagens depuseram ontem na Polícia Federal. Em linhas gerais, por não conter os golpistas, segundo a GloboNews, eles alegaram risco de vida, disseram que tinha muita gente e pouco efetivo. Sobre a distribuição da água aos golpista, foi explicado que foi usada uma técnica de gerenciamento de crise, já que os vândalos, exaltados, exigiam entrar na cozinha.

A PF informou ao STF que ainda estão sendo realizadas análises das imagens de câmeras de segurança do Palácio do Planalto, do Congresso e do próprio STF. De acordo com a PF, os vídeos somam 4.410 horas.