O Globo, n. 32768, 25/04/2023. Economia, p. 13

Planos de saúde tem pior resultado desde 2001

Luciana Casemiro


O ano de 2022 foi o pior da história do setor de planos de saúde, considerando a série da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), iniciada em 2001. O lucro líquido do mercado de planos de saúde despencou de R$ 3,8 bilhões em 2021 para R$ 2,5 milhões no ano passado. A cifra representa o equivalente a 0,001% das receitas de operações de saúde no ano passado, que somaram R$ 237,6 bilhões. Na prática, é como se a cada R$ 1 mil de receita o setor gerasse lucro de R$ 0,01.

O resultado no campo positivo, ainda que inexpressivo para o tamanho do mercado, reflete o resultado financeiro das operadoras com o aumento das taxas de juros que remuneram aplicações. Quando se observa apenas o resultado da atividade, o setor de planos de saúde teve prejuízo operacional de R$ 11,5 bilhões, o pior desempenho em duas décadas. A piora nas contas dos planos deve ser rapidamente percebida pelo consumidor. O desempenho de 2022 deve reforçar a pressão dos planos por reajustes maiores este ano.

A ANS regula o aumento dos planos individuais, que representam o equivalente a 20% do mercado. O aumento deve ser anunciado em maio. No caso dos coletivos, cuja maioria é formada por contratos corporativos, os reajustes são negociados diretamente entre operadora e empresa.

Perda em 43% das empresas

Outro fator que deve intensificar a pressão das operadoras é que, em 2022, os planos coletivos tiveram, na média, alta menor (de 11%) do que os individuais, de 15%. Este ano, o argumento das empresas é que é preciso recompor a margem, mesmo que isso signifique reduzir a base de clientes.

Além da pressão nos preços, o consumidor percebe a crise de outras formas, como a limitação da rede credenciada, a oferta de planos mais enxutos e a adoção de medidas para combater o desperdício.

— Os resultados são péssimos sinais para o consumidor, em um cenário em que se antevê a transferência do prejuízo ao usuário por meio de reajuste. Ao mesmo tempo, vemos precarização do atendimento, com descredenciamentos sucessivos, mudanças na rede para pior e políticas de reembolso que dificultam o acesso. Tudo isso somado aos problemas de recusa de cobertura, com a justificativa de que não estão no rol de procedimentos da ANS —diz Ana Carolina Navarrete, coordenadora do programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Renato Casarotti, presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), avalia que o zero a zero, como a ANS classifica o resultado de 2022, não reflete a crise do setor. Ele vai pedir à agência para antecipar a divulgação dos dados do primeiro trimestre, para que se possa avaliar “a tendência do mercado”:

— Na nossa avaliação, assumir que vivemos uma crise é o primeiro passo para resolvêla, assim estamos fazendo nas discussões com hospitais e laboratórios. Não podemos perder esse sentido de urgência.

Outras estatísticas reforçam o quadro de crise no setor, como o fato de 43% das operadoras médico-hospitalares terem fechado o ano com prejuízo. Para Paulo Roberto Rebello, presidente da ANS, o mercado vive um momento peculiar. Apesar do crescimento constante na base de clientes desde o início da pandemia — o número de beneficiários em planos médico-hospitalares foi de 47 milhões em dezembro de 2019 para 50,4 milhões no fim de 2022 — os resultados vêm piorando.

— Em princípio, as despesas assistenciais não apresentaram crescimento que possa justificar, por si só, o aumento da sinistralidade, que é o percentual das receitas com mensalidades consumidas pelas despesas assistenciais. Entretanto, as receitas advindas das mensalidades parecem estar estagnadas, especialmente nas grandes operadoras — diz Rebello, que vê sinais de melhora no quarto trimestre.

O percentual das receitas gasto com a assistência (sinistralidade) aumentou 2,1 pontos percentuais e chegou a 89,21% no ano passado, o que pode ser um sinal de aumento do uso após a pandemia ou de mudança na cultura do consumidor, segundo analistas.

Vera Valente, diretora executiva da FenaSaúde, associação que reúne as maiores empresas do setor, vê um quadro de crise que deve demorar a ser superado:

— Não se opera em um setor de altíssimo risco para ganhar dinheiro com aplicação financeira. Uma parte das empresas, inclusive, defende a liberação das aplicações financeiras (os ativos garantidores) para dar um alívio ao setor. Cerca de 40% dos beneficiários estão em operadoras que registraram prejuízo operacional. Na minha avaliação, esse quadro não se reverte no curto prazo. É um grave momento do setor.

Entre as empresas, o maior prejuízo foi da Amil, com perda de R$ 1,6 bilhão. Na outra ponta, a que teve o melhor desempenho foi a Bradesco Saúde, com lucro de R$ 690,53 milhões.

A receita das empresas não acompanhou o aumento da base de beneficiários. Isso ocorreu, em parte, porque o valor médio dos planos caiu. Para não perder o benefício, famílias e empresas trocaram seus contratos por outros mais em conta. Parte dos especialistas avalia que houve subprecificação por parte das operadoras, na intenção de aumentar a base de clientes.