O Estado de São Paulo, n. 46683, 10/08/2021. Metrópole p.A15

 

Vacina obrigatória é adotada, com apoio de juristas


Em SP, Rio e outros Estados, norma vem sendo acolhida para alguns grupos; especialistas veem ação com cautela, mas aprovam

Ítalo Lo Re

Jullie Pereira

 

Em meio a planos de reabertura, prefeituras de capitais brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro, têm se mobilizado para reforçar a importância da vacinação contra a covid-19. As medidas adotadas vão desde a necessidade de apresentar comprovante de esquema vacinal completo para acessar bares e restaurantes à obrigatoriedade de servidores públicos tomarem a vacina. E sua adoção trouxe à cena uma questão: é legal essa exigência? Em diferentes graus, e com alguma cautela, especialistas entendem que sim.

A mais recente dessas ações ocorreu na capital paulista, onde a Prefeitura publicou no sábado um decreto que obriga servidores e empregados municipais a se imunizarem. A decisão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) leva em consideração posições já manifestadas pelo Supremo Tribunal Federal e afeta servidores da administração direta, de autarquias e de fundações diversas.

No Estado, no entanto, o governador João Doria (PSDB) afirmou ontem que, por ora, não planeja fazer algo semelhante. "Nossa opção é avançar na vacinação para todos", avisou. "Não significa que tenhamos qualquer censura a essa decisão da Prefeitura", ressaltou. Para ele, cada uma das 645 prefeituras do Estado pode agir de acordo com suas "necessidades e avaliações locais". O secretário de Saúde, Jean Gorinchteyn, acrescentou que a vacinação "é a única forma que temos para retomar de forma segura as atividades". "Portanto, apoiamos essas atitudes."

A lista de autoridades que adotaram essa medida se distribuiu pelo País. Ela inclui cidades como Autazes (Amazonas), Castanheira (Mato Grosso) e Niterói (Rio). Especificamente em Secretarias de Saúde houve essa exigência – no caso em Palmas e Recife, assim como nas do Espírito Santo. No Amazonas, a Secretaria de Assistência Social deu até prazo para a vacinação: dez dias.

No Rio, o prefeito Eduardo Paes (PSD) anunciou uma variante nesse plano. Avisou, no fim de julho, que a partir do dia 2 de setembro será autorizada 50% de presença de público em estádios, boates, casas de show e festas em locais fechados – mas só entram pessoas com esquema vacinal completo.

 

Legalidade. Essas iniciativas trouxeram ao debate uma questão legal: é licito exigir a vacinação das pessoas? A advogada Adriana Jardim Supione, da Comissão Direito do Trabalho da OAB paulista, entende que a vacinação não é, necessariamente, obrigatória. Por lei, nenhum indivíduo pode ser forçado a isso, mas pode ter direitos reduzidos em casos específicos que podem interferir na coletividade e na vida social.

Para a advogada, a liberdade individual deve ser comprometida, levando em consideração a proteção de toda a sociedade. Foi o que entendeu também o TRT de São Paulo, que aceitou a demissão por justa causa de uma funcionária que se recusou a ser vacinada.

O professor Vitor Rhein Schirato, da USP, comparou a situação com o crime de dirigir embriagado:a questão é individual, mas pode afetar todos ao redor. "Existe questão no direito que é você proteger uma pessoa contra ela mesma, é o Estado intervindo na sua liberdade individual, porque tem a proteção da vida e da vida de terceiro. Então eu posso exigir que as pessoas se vacinem", argumentou..

Para o médico Marcio Bittencourt, do Hospital Universitário da USP, "a obrigatoriedade tem de ser usada de forma muito cautelosa". Ao Estadão, ele ponderou: "Enquanto não se tem vacina suficiente, como é o caso do Brasil, é muito complicado dizer que só vai entrar quem tem vacina".

 

'Complicado'

"Enquanto não se tem vacina suficiente, como é o caso do Brasil, é muito complicado dizer que só vai entrar quem tem vacina."

Márcio Bittencourt

HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DA USP