O Estado de São Paulo, n. 46684, 11/08/2021. Metrópole p.A17

 

Universidade deveria ser para poucos, diz ministro

 

Júlia Marques

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, disse anteontem que as universidades brasileiras deveriam ser para poucos. Em entrevista ao programa Sem Censura, da TV Brasil, Ribeiro defendeu a volta às aulas na educação básica, ironizou a demanda dos professores por vacinação contra a covid-19 e se mostrou, mais uma vez, surpreso com o tamanho da pasta que ele chefia há mais de um ano.

Para Ribeiro, os institutos federais, com ensino tecnológico e profissionalizante, serão “as vedetes” do futuro. Ele disse estar cansado de encontrar motoristas que têm graduação completa. “Tem muito engenheiro, advogado, dirigindo Uber porque não consegue a colocação devida, mas, se fosse técnico em informática, estaria empregado porque há demanda muito grande”, disse o ministro.

“Então, o futuro são os institutos federais, como é na Alemanha hoje. Na Alemanha, são poucos os que fazem universidade. A universidade, na verdade, deveria ser para poucos, nesse sentido de ser útil à sociedade”, completou Ribeiro.

Os institutos federais, elogiados por Ribeiro, foram criados em 2008. Apesar de dizer que são essenciais à educação, o ministro não tem conseguido manter os investimentos neles. Documento da pasta enviado ao Ministério da Economia em maio deste ano admitiu que a verba para os institutos federais estava aquém das necessidades reais dessas unidades – o que, segundo o próprio MEC, comprometia o “funcionamento geral” das instituições.

Na entrevista à TV Brasil, o ministro disse que desconhecia, quando assumiu a pasta, a existência das 38 unidades. Também admitiu que “tomou um susto” quando percebeu a variedade de atribuições da pasta. “Eu administro 50 hospitais universitários”, afirmou ele.

Segundo o ministro, metade das vagas nas universidades é destinada a cotas e a outra parte vai para os “alunos melhor preparados”. “Eu acho justo, considerando que os pais desses meninos tidos como ‘filhinhos de papai’ são aqueles que pagam os impostos do Brasil, que sustentam bem ou mal a universidade pública. Não podem ser penalizados.”

Segundo Ribeiro, dos 69 reitores das federais, ele conversa “plenamente” com 20 a 25. “Dez deles, eu trouxe para visitar o presidente, uma coisa inédita. Não precisa ser bolsonarista, mas não pode ser esquerdista, lulista. As universidades não podem se tornar um comitê político nem de direita e muito menos de esquerda.”

 

Reação. A União Nacional dos Estudantes criticou as declarações. Segundo a UNE, o ministro verbalizou o “projeto do governo Bolsonaro” para a educação. “A entrevista concedida ao Sem Censura da TV Brasil foi um verdadeiro ataque a todas as esferas da educação brasileira. Estamos em guerra, amanhã é estudante na rua”, escreveu o grupo no Twitter.

Para Rozana Barroso, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), há um projeto do MEC de construir uma universidade para poucos. “Não é à toa que nos impossibilitam de acessar a internet e escolas estruturadas. Quero ser a primeira da família no ensino superior, como milhões de jovens”, disse, nas redes sociais.


Crítica aos professores

“Eles (professores) fomentam a vacinação deles, das crianças, depois do cachorro, do gato. Se eu pudesse, tinha mandado abrir todas as escolas.”

Milton Ribeiro

 

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Ideia equivocada de que ensino superior é para privilegiados

 

ANÁLISE: Lucas Hoogerbrugge

 

As declarações do ministro da Educação expõem mais uma vez equívocos da visão do governo sobre a educação brasileira – e, em particular, sobre o acesso ao ensino superior e à educação profissional. É preciso lembrar, em primeiro lugar, que o propósito da educação deve ser o desenvolvimento integral do cidadão, garantindo acesso às oportunidades em condições de igualdade para todos. Não se trata de contrapor educação superior à profissional. Ambas são importantes e complementares. Aderir a uma visão reducionista significa alimentar uma ideia equivocada de que, por origem, o ensino técnico está destinado às massas e o superior, a alguns privilegiados.

Esse equívoco começa, infelizmente, na educação básica, em que um terço dos jovens não consegue concluir o ensino médio – e quando o faz, é com baixíssimos resultados de aprendizagem. Considerando o recorte socioeconômico e racial, as disparidades são ainda maiores. Os números reafirmam o determinismo perverso da realidade brasileira, onde destinos são selados conforme o CEP, a cor da pele e a renda familiar.

Na prática, temos um atendimento baixo no ensino superior, quando comparado com países da OCDE, e ainda muito desigual, ainda que a Lei de Cotas e as políticas de permanência tenham contribuído muito para um sistema mais equitativo. Na educação básica, ainda há muito a ser feito para melhorar essa situação. É fundamental investir na melhoria dos resultados educacionais, especialmente por meio de políticas voltadas para os grupos minoritários. Não há outro modo para garantir igualdade de condições de acesso ao ensino superior, à educação profissional e, consequentemente, a oportunidades plenas ao cidadão.